Ausência de nomes da esquerda leva Zelotes para longe dos holofotes
A investigação de
crimes praticados por grandes empresários, detentores de fatia considerável do
Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, caminha relegada ao desinteresse por
falta de associação a um escândalo que reverta em dividendos ou prejuízos políticos.
O tratamento dado
por parte do Judiciário e da imprensa à Operação Zelotes é uma amostra disso,
se comparado à Lava Jato. Essa tem sido a constatação de parlamentares,
representantes do Ministério Público, analistas econômicos e profissionais do
meio jurídico, que se debruçam sobre a elucidação de um escândalo que pode
chegar R$ 19 bilhões desviados do Tesouro Nacional.
A Operação Zelotes foi deflagrada em 28 de março por diversos órgãos de investigação
em conjunto com a Polícia Federal. Resultou na descoberta de uma fraude com a
Receita Federal, no período de 2005 a 2013 – grandes empresas subornavam
integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ligado à
Fazenda, para serem absolvidas do pagamento de impostos ou reduzir de forma
significativa o valor a ser pago.
Entre as empresas investigadas estão grandes corporações, como RBS (maior
afiliada da Rede Globo), Gerdau, Votorantim, Ford, Mitsubishi, BRF (antiga
Brasil Foods), Camargo Corrêa, e os bancos Santander, Bradesco, Safra,
BankBoston, Pactual, Brascan e Opportunity.
Enquanto em várias operações de caráter semelhante essa fase já teria resultado
em prisões preventivas e medidas mais adiantadas, autoridades, Ministério Público
e parlamentares alertam para o risco de a investigação não chegar a um
resultado efetivo. Segundo o procurador da República Frederico Paiva, “o caso
até agora não entusiasmou nem o Poder Judiciário nem a mídia, ao contrário do
que acontece com a Operação Lava Jato”.
Ele criticou o que chamou de “passividade” por parte dos órgãos envolvidos na
investigação e afirmou, durante audiência pública no Congresso Nacional, que os
escândalos de corrupção no Brasil só despertam interesse quando há políticos no
meio. “Quando atingem o poder econômico, não há a mesma sensibilidade. É
preciso que a corrupção seja combatida por todos. Os valores são
estratosféricos”, afirmou.
Representações
O MP entrou com representação na Corregedoria do Tribunal Regional Federal
(TRF) da 1ª Região contra o juiz responsável pela operação, Ricardo Leite, da
10ª Vara de Brasília. Leite só entregou os documentos referentes ao inquérito
em curso à CPI em 1º de junho, e teria tomado decisões que não ajudaram as
investigações. Ele só se manifestou pelos autos, negou a prisão temporária de
26 pessoas suspeitas de integrar o esquema e rejeitou o pedido de bloqueio de
bens de investigados.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) divulgou que entrará com medida no Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) contra o magistrado. Ele acusa Ricardo Leite de ser
responsável por processos antigos contra personagens da Zelotes que não foram
nem sequer chamados a depor. “A conduta prejudica o combate à corrupção e ao
crime do colarinho branco no Brasil”, acusa.
Segundo Frederico Paiva, o MP se prepara para apresentar à Justiça, até julho,
denúncias formais por corrupção e lavagem de dinheiro contra investigados na
Zelotes. No total, são analisados 74 processos do Carf com suspeita de serem
resultado de fraudes. Entre 15 e 20 tratam de valores que chegam a
irregularidades da ordem de R$ 5 bilhões. O procurador acha que não será
possível reunir provas suficientes para anular a maior parte dos 74 julgamentos
suspeitos. “O Ministério Público não vai conseguir, infelizmente, alcançar 10%
dos ilícitos que foram praticados no caso”, diz. “É preciso que o Poder
Judiciário entenda que provas contra a corrupção só são obtidas com medidas
invasivas.”
Delegados envolvidos nas investigações já acenaram que, em mais de 90% dos
casos, podem não ser encontrados indícios suficientes para anular as supostas
irregularidades, por causa da negativa de várias medidas investigativas que
dificultou a obtenção de provas. Eles querem desmembrar as investigações, numa
forma de tentar contornar as dificuldades e agilizar os trabalhos. “Muita coisa
que foi praticada não terá processo. Alguns vão ficar para trás”, lamenta o
procurador.
Problemas estruturais
O escândalo envolvendo o Carf descortina dois problemas estruturais
brasileiros. O primeiro é o modo de funcionamento do conselho em si. O segundo,
a dificuldade de se apurar e julgar crimes tributários no país. Para o
procurador Frederico Paiva, esse atual modelo do órgão, que será reformulado, é
propício à corrupção e ao tráfico de influência.
“Para fazer investigações desse tipo dependemos antes, muitas vezes, da atuação
da Receita Federal, que precisa atestar a existência do crédito tributário
definitivo, decorrente de uma fraude. E isso dificulta nosso trabalho”, afirma
o delegado da PF e coordenador-geral de Polícia Fazendária, Hugo de Barros
Correia, ao destacar que, por esse motivo, tem diminuído o número de inquéritos
na área de direito penal tributário no país – sem falar que a PF só pode
investigar casos de sonegação previamente investigados no Carf.
No início de maio, um levantamento feito pelo gabinete do senador Otto Alencar
(PSD-BA) constatou que mais de 120 mil processos tramitam no Carf, contestando
a cobrança de R$ 565 bilhões em impostos e multas. “Se o governo fizer um Refis,
dispensar multas e juros e der um desconto de 30% sobre o valor devido, ainda
receberia o suficiente para evitar esse doloroso ajuste fiscal”, avaliou o
senador, ao divulgar os dados.
A lista surpreende pelos números: apresenta 780 processos com valores acima de
R$ 100 milhões sendo contestados, além de 4.295 ações com valores entre R$
10 milhões e 100 milhões e 13.190 referentes a valores entre R$ 100 mil
e R$ 10 milhões. Outros 93.698 processos de empresas com pendências na
Receita pedindo a revisão das dívidas têm valores abaixo de R$ 100 mil.
O menor grupo, composto por 780 ações, corresponde ao maior valor em impostos e
multas que a União teria a receber de grandes empresas: soma mais de R$ 357
bilhões. “É nesse grupo que estão os grandes clientes, que pagam propinas aos
conselheiros para ter os valores anulados ou reduzidos. O Carf foi criado para
poupar os grandes conglomerados de pagar impostos”, critica o senador.
Reformulação
O Carf tem atualmente 27 conselheiros (há sete cargos vagos), indicados entre
representantes dos contribuintes e do fisco, em igual proporção. As indicações
de representantes da iniciativa privada costumam ser feitas pelas confederações
nacionais da Indústria (CNI), do Comércio (CNC) e da Agricultura (CNA). Os
conselheiros não são remunerados. Pelo que tem sido descoberto, muitos deles,
no entanto, trataram de dar um jeito próprio de compensar esse detalhe. Segundo
o que foi apurado até agora, foram usadas, inclusive, empresas de fachada para
fazer a intermediação com os empresários interessados em pagar pela propina
para se dar bem nos julgamentos.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, chegou a anunciar que uma reformulação do
conselho, depois de todos esses escândalos, “trará clareza para os
contribuintes e segurança para o governo”. Levy disse que a proposta definitiva
de reforma do regimento do órgão seria publicada até o início deste mês de
junho. O texto foi submetido a consulta pública e, conforme explicou o
ministro, as sugestões apresentadas pela sociedade estão sendo consolidadas. As
mudanças passam por redução do número de turmas e reorganização da câmara
superior de julgamentos.
Levy recebeu do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus
Vinícius Furtado Coêlho, um documento com propostas de reforma. A principal
medida, aprovada no último dia 18 de maio pela entidade, é a proibição para que
advogados com papel de conselheiros no Carf exerçam a advocacia privada. “A OAB
poderia vetar a atuação no Carf apenas a advogados que atuassem em causas contra
a Fazenda Nacional. Entendemos que o impedimento cabe em qualquer situação”,
explica o presidente da OAB.
Como forma de equilibrar a situação dos conselheiros que são advogados, a
sugestão da Ordem é que esses profissionais, quando passarem a integrar o Carf,
recebam salários entre R$ 11 mil e R$ 22 mil. O projeto já foi enviado ao
Congresso Nacional.
No Senado, onde foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para
apurar o caso, a relatora, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), destacou que a comissão
quer ter acesso ao máximo de informações. “O resultado que queremos obter não é
só punir e prender empresas e culpados, mas trazer para os cofres públicos os
recursos que nunca poderiam ter saído”, ressalta. Os senadores querem mais.
“O principal objetivo da CPI é investigar as razões da existência do esquema
criminoso e, ao mesmo tempo, obter informações para orientar a adoção de
medidas que evitem a repetição de tão lamentáveis fatos”, completa o presidente
da comissão, senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO).
Na Câmara, por sua vez, o deputado Paulo Pimenta, relator de subcomissão da
Casa que acompanha as apurações do escândalo, afirmou que já pediu ao juiz
Ricardo Leite para ter acesso ao processo, que está sob sigilo de Justiça.
Jornalista por formação, Pimenta terminou envolvido em uma polêmica com a mídia
após ter sido acusado pelo jornal Folha de S.Paulo de “inflar” a Operação
Zelotes com interesses de abafar a Lava Jato.
“A imprensa brasileira trabalha os casos de corrupção não a partir do ato em
si, mas a partir de quem praticou a corrupção e quem está envolvido nesses
escândalos. Só depois desse filtro, dessa censura prévia, e só depois de
verificar se não irá atingir interesses dos grupos econômicos influentes, é que
a imprensa decide qual o tamanho da cobertura jornalística que dedicará, ou,
então, se irá varrer os acontecimentos para debaixo do tapete, sumindo com
esses fatos do noticiário”, rebateu. Para Pimenta, com todos os empecilhos
observados até agora, o caminho para o desfecho do caso está apenas
começando.
Por Hylda Cavalcanti, da RBA
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