De Wall Street ao Vale do Silício, o que Dilma vai fazer nos Estados Unidos
Quase dois anos depois de cancelar uma viagem aos Estados Unidos após denúncias
de que havia sido espionada pelo governo americano, a presidente Dilma Rousseff
desembarca neste sábado no país para tentar restaurar a confiança entre as duas
nações e buscar estímulos para a convalescente economia brasileira.
Do lado
brasileiro, a missão tem sido tratada como a mais importante viagem da
presidente em seu segundo mandato. Com popularidade em baixa e enfrentando uma
recessão, Dilma priorizará na visita discussões sobre como ampliar os laços econômicos
com os Estados Unidos.
Ao
discursar evento sobre a visita na quinta-feira em Washington, o embaixador
brasileiro nos EUA, Luiz Alberto Figueiredo, só tratou de um assunto: economia.
“Há uma forte confiança nos dois países sobre os benefícios em aumentar o
comércio e os investimentos bilaterais”, ele afirmou na sede do CSIS (Center
for Strategic and International Issues).
Em
entrevista na quinta-feira, Ben Rhodes, assessor do Conselho Nacional de
Segurança americano, e Mark Feierstein, diretor sênior da Casa Branca para o
Hemisfério Ocidental, disseram que o comércio será um ponto central da visita e
que Brasil e Estados Unidos podem dobrar o volume de suas transações em uma
década. Hoje as trocas somam cerca de US$ 100 bilhões ao ano.
De
Wall Street ao Vale do Silício
A
programação da viagem reforça a ênfase econômica. Em Nova York, primeira parada
da presidente, ela se reunirá com empresários brasileiros no domingo e, na
segunda, tentará convencer investidores americanos a participar dos leilões que
o governo prepara na área de infraestrutura.
Na terça,
em Washington, ela encerrará um encontro de empresários na Câmara de Comércio
americana e, na quarta, se encontrará com executivos do Vale do Silício, na
Califórnia.
A visita
aos Estados Unidos se insere numa ofensiva diplomática da presidente e sinaliza
uma guinada da estratégia econômica do governo. No início do mês, ela viajou à
Bélgica para tentar acelerar o acordo de livre comércio que a União Europeia e
o Mercosul negociam há 15 anos e, em maio, esteve no México, onde deu início a
negociações para um amplo acordo comercial com o país.
Dilma diz
que a nova postura reflete o fim do “superciclo das commodities”
(matérias-primas), cujos altos preços na última década alimentaram o
crescimento econômico do Brasil. Segundo ela, com os preços das matérias-primas
em baixa, para voltar a crescer o Brasil agora terá cada vez mais de atrair
investimentos externos e abrir mercados estrangeiros a produtos
industrializados brasileiros.
Esperam-se
na visita aos Estados Unidos alguns anúncios pontuais, como a abertura do
mercado americano para a carne brasileira in natura, medidas para facilitar o
comércio nos setores de cerâmica, máquinas e materiais de construção e ações
para reduzir os custos e a burocracia nas transações bilaterais.
Grandes
empresas dos dois países pressionam os governos a começar negociações para um
acordo de livre comércio, pôr fim à bitributação de produtos vendidos entre os
dois países e eliminar a exigência de vistos de turismo e negócios para
brasileiros e americanos.
Executivos
dos dois países se reuniram em Brasília há dez dias para discutir propostas a
serem apresentadas às duas delegações durante a visita. Vice-presidente da
Archer Daniels Midland, empresa americana que opera no setor agrícola
brasileiro, Shannon Herzfeld diz que o encontro foi “uma explosão de
entusiasmo”.
“Ideias
surgiam aqui e ali, as pessoas interrompiam umas às outras. Havia um imenso
esforço no setor privado dos dois lados em identificar propostas tangíveis”,
ela afirmou em evento na quarta-feira no Council of the Americas, em
Washington.
Os próprios
empresários avaliam, porém, que ainda não há condições para grandes avanços
nessas áreas, e que primeiro os dois governos precisam intensificar o diálogo.
Por isso
muitos analistas que acompanham os preparativos vêm dizendo que o ponto mais
importante da visita será pôr fim ao distanciamento que sucedeu o cancelamento
da viagem de 2013.
“Se há um
único resultado concreto que nós absolutamente deveríamos conseguir na semana
que vem, é reconstruir a confiança nos altos níveis dos governos”, disse em
evento no Wilson Center Kellie Hock, sócia-gerente da consultoria internacional
McLarty Associates.
Após se
encontrar com Obama na última Cúpula das Américas em abril, no Panamá, Dilma
afirmou que o episódio da espionagem havia sido superado após o americano lhe
assegurar que os fatos não se repetiriam.
Agora,
segundo Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International
Economics, cabe à presidente passar ao governo americano “uma mensagem clara”
sobre quais são as prioridades do Brasil na relação com a maior potência
global.
“A visita é
uma oportunidade pata enviar esses sinais, mesmo que a estratégia geral ainda
não esteja lá”, ela disse no Wilson Center.
De
concreto, é provável que os dois países anunciem um acordo na área climática,
em esforço liderado pela Casa Branca. Em novembro, os Estados Unidos fecharam
com a China um acordo para a redução voluntária das emissões de carbono.
Obama tem
dito que frear as mudanças climáticas é um dos maiores objetivos de seu
governo. Ao negociar acordos com outras potências emergentes, ele espera chegar
fortalecido à próxima cúpula do clima em Paris (COP-15), em dezembro.
O Brasil,
porém, resiste a anunciar metas de redução de emissões agora, o que deve tirar
a força de um eventual acordo nessa área.
Cooperação
militar
Durante a
visita, também deverá haver avanços no diálogo entre os dois países sobre
defesa.
Na
quinta-feira, o Senado brasileiro aprovou dois acordos com os Estados Unidos
que tramitavam há vários anos, liberando os dois documentos para a assinatura
dos presidentes durante seu encontro em Washington.
Um dos
acertos traça os parâmetros para cooperação bilateral em defesa. O outro trata
da proteção de informações militares sigilosas.
Nathan
Thompson, pesquisador no Instituto Igarapé, no Rio de Janeiro, diz que os
Estados Unidos “veem o Brasil como um parceiro capaz de abordar outros países
tanto diplomática como militarmente de uma forma que os Estados Unidos não
conseguem, por serem o cara mais forte da turma”.
Thompson
tem estudado a crescente presença militar brasileira na África. Hoje o país
mantém parcerias em defesa com 21 nações africanas.
Segundo
Thompson, embora os movimentos brasileiros no continente gerem “tensão e
fricção” nos Estados Unidos, os dois países já cooperam em ações contra a
pirataria na costa africana do Atlântico e há margem para mais ações conjuntas.
“O Brasil
tem uma pegada mais leve nessa área que pode ser útil aos Estados Unidos”.
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