LAVA JATO: DIRCEU PRESO, É PRESO DE NOVO
Dirceu tentava evitar um novo mandado de prisão com habeas corpus
Por Fábio Serapião na Carta Capital
Além de receber 1,1 milhão de reais da
construtora Engevix, Dirceu obteve outro 1,4 milhão da Jamp, cujas
movimentações foram descobertas em uma fase anterior da operação
As delações do
presidente da UTC, Ricardo Pessoa, apontado como coordenador do cartel de empreiteiras, e do
operador de propina da Engevix, Milton Pascowitch, acredita a força-tarefa que
investiga os desvios da Petrobras, fechariam ainda mais o cerco ao Partido dos
Trabalhadores e selariam de vez o destino do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Em seus
depoimentos, Pessoa colocou em dúvida as doações efetuadas à campanha de Dilma
Rousseff e arrastou nomes próximos à presidenta para o centro do
escândalo. As acusações ainda terão de ser provadas. Os envolvidos negam
irregularidades. Em entrevista a CartaCapital,
o ministro da Secretaria de Comunicação, Edinho Silva, tesoureiro da campanha à
reeleição, rechaça a acusação de achaque ao empreiteiro. “As doações foram legais.”
A situação de Dirceu, segundo os
investigadores, parece mais complicada. O depoimento de Pascowitch, unido aos
documentos levantados nos últimos meses, levaram a força-tarefa a formar a
convicção de que existem provas suficientes para incriminar o ex-ministro.
Pascowitch teria sido claro em sua delação. Segundo ele, os pagamentos
efetuados pela Jamp, sua empresa, à JD Consultoria, de Dirceu, vieram das
propinas cobradas na estatal.
Com medo da perspectiva de prisão,
Dirceu ingressou em 2 de julho com um pedido de habeas corpus. Há motivo.
Embora não de forma oficial, os investigadores da Lava Jatotêm feito consulta sobre a situação
do ex-ministro. Querem saber se ele poderia ser novamente encarcerado pelo fato
de, no momento, cumprir em regime aberto a sentença do chamado mensalão.
Para a força-tarefa, as poucas dúvidas
restantes da participação de Dirceu no esquema da Petrobras desapareceram após
os depoimentos de Pascowitch. Como antecipouCartaCapital na
reportagem sobre a fase Juízo Final da Lava Jato, em novembro de 2014, a
possibilidade do ex-ministro de se tornar um dos alvos era patente. Ele está na
mira dos investigadores desde a descoberta dos contratos entre sua consultoria
e a Camargo Corrêa. A partir daí, a força-tarefa mapeou, com base em quebras de
sigilo, os 29 milhões de reais movimentados pela JD, em especial o
montante pago por empreiteiras. O caso da Engevix chamou atenção. Além de
receber 1,1 milhão de reais da construtora, Dirceu obteve outro 1,4 milhão da
Jamp, empresa de Pascowitch, cujas movimentações foram descobertas na fase
apelidada de My Way.
Enquanto Dirceu e Pascowitch negavam
qualquer tipo de relação ilícita e afirmavam tratar-se de contratos referentes
a serviços de prospecção de negócios no exterior prestados à construtora
Engevix, as investigações prosseguiam. Ao longo da apuração, outras ligações
entre os dois foram reveladas, em primeiro lugar o fato de Pascowitch ter
providenciado o pagamento de parte do imóvel-sede da JD, e de outro, em nome da
filha do ex-ministro. Apesar dos contratos sem comprovação de prestação do
serviço e dos pagamentos milionários, faltava, porém, confirmar a
origem dos recursos enviados pela Jamp e por outras empresas do operador.
Homologada
na segunda-feira 29, a delação de Pascowitch vai além da relação com Dirceu.
Ele detalha sua atuação em contratos bilionários fechados com a Engevix,
explica sua ligação com o ex-diretor de Serviços, Renato Duque, e esclarece
como seu patrimônio cresceu 50 vezes, entre 2003 e 2013, de 574 mil para cerca
de 28 milhões reais. Duque, apontado como representante do PT na estatal e no
esquema, foi preso na sétima fase da operação, solto e novamente detido
na décima etapa. Na última prisão, a Polícia Federal encontrou em sua casa um
cômodo secreto cuja finalidade era armazenar documentos e obras de arte.
Nos
documentos, também revelados com exclusividade por CartaCapital, figuram contratos entre a Jamp e a consultoria D3TM, de
Duque, recibos de obras de arte pagas pelo operador e um contrato de compra de
imóveis. No tal documento sobre a aquisição de três apartamentos na Barra da
Tijuca, no Rio, uma cláusula se destacava. No item 9 do acordo firmado entre
Duque e José Mauro dos Santos Fonseca, proprietário da Malta Incorporação de
Imóveis, lê-se a seguinte instrução a respeito do pagamento: “Como o primeiro
transator, para atender compromissos vinculados à construção das unidades, por
intermédio de sua empresa, Malta Incorporadora, obteve da Jamp Engenheiros
Associados empréstimos no valor de 730 mil reais, cujo pagamento se encontra
pendente, neste ato e de forma expressa o ‘primeiro pagador’ autoriza o
‘segundo pagador’ a pagar diretamente o referido empréstimo”.
A mesma tática teria se repetido na
aquisição dos quadros encontrados no cômodo secreto. Segundo a Polícia Federal,
os documentos provam que ao menos 3 das 131 obras de arte na posse de Duque
foram pagas por Pascowitch. À época da segunda prisão do ex-diretor da
Petrobras, os investigadores apenas desconfiavam de possíveis irregularidades.
Hoje, com base na delação, dizem ter certeza de que todas as transações, da
mesma forma que os pagamentos efetuados para
Dirceu, se originaram do dinheiro desviado da Petrobras. Nos depoimentos
prestados, o operador da Engevix ratificou a tese. Qualificou como propina os
repasses feitos a Duque e Dirceu, além de relacionar todas as obras
da estatal das quais o dinheiro foi subtraído. Pascowitch também teria
confirmado a ascendência de Dirceu na nomeação de Duque para uma das diretorias
da companhia.
O advogado
de Duque não atendeu aos pedidos de informação da revista. Quando da apreensão
dos documentos, Alexandre Lopes afirmou que os delatores “falsearam” a verdade
e que todas as consultorias da D3TM eram legais e realizadas após a saída de
seu cliente da Petrobras. O defensor negou ainda a possibilidade de o
ex-diretor ter movimentado dinheiro fora do País.
Em nota publicada no blog de Dirceu, o
advogado Roberto Podval lista quatro pontos para rebater as afirmações de
Pascowitch. Segundo ele, o ex-ministro não teve qualquer influência na indicação
de Duque e a relação da Jamp com a JD seria resultado de uma consultoria
prestada no Peru. A informação, salienta a nota, é corroborada pelo presidente
do Conselho da Engevix, Cristiano Kok, e pelo ex-vice-presidente, Gerson
Almada, preso na fase Juízo Final da Lava Jato. Embora citado na nota como
delator, Almada não assinou um acordo com a Justiça Federal, mas confirmou
serem os pagamentos da Engevix a Dirceu referentes ao “lobby” exercido pelo
ex-ministro.
Para seus defensores, o pedido de
habeas corpus apresentado na quinta 2 tem como objetivo evitar um
“constrangimento ilegal”. Nos próximos dias, a eficácia da medida será testada
no Paraná, onde se concentra o processo. Dirceu tem, porém, outras fontes de
dor de cabeça. A UTC, diz Pessoa, também teria pagado 3,2 milhões de reais à
JD. Propina, segundo o delator.
Nesse caso, Dirceu não estaria sozinho.
Além de doações à campanha de Dilma, o dono da UTC teria confirmado pagamentos
para um grupo variado de políticos de diferentes partidos. Estariam na lista
Fernando Collor e Gim Argello. Do PT, o ministro Aloisio Mercadante e José de
Filippi. Da oposição, o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira, vice de Aécio
Neves na última disputa presidencial, e Júlio Delgado, do PSB, braço direito do
falecido Eduardo Campos.
Apontado como prova da capacidade do
cartel de empreiteiras de suplantar diferenças partidárias, a delação de Pessoa
une-se à mais nova fase da operação, realizada na quinta-feira 2 para
levar à cadeia Jorge Zelada, ex-diretor da Área Internacional da Petrobras. Indicado
pelo PMDB, Zelada pode complicar ainda mais a vida de Renan Calheiros e Eduardo
Cunha, investigados pela Procuradoria-Geral da República. Denominada Conexão
Mônaco, a nova fase apura o pagamento de propina para o ex-diretor em contratos
de navios-sondas. Em seu despacho, o juiz Sérgio Moro citou uma auditoria da
Petrobras que identificou “uma série de irregularidades, parte delas imputável
ao então diretor da área Internacional”. Os desvios vão do superfaturamento à
assinatura de contratos sem autorização da diretoria executiva.
Para
prender Zelada, os investigadores da força-tarefa, assim como nos outros casos,
seguiram o caminho do dinheiro e mapearam as transações do executivo no
exterior. Remessas suspeitas para a China e a Suíça serviram de base para o
pedido de prisão do Ministério Público. “Observando os extratos das contas, há
também registro de transferências a débito vultosas para outras contas na China
e outras contas na Suíça, aparentemente esta controlada por sócio no Brasil do
investigado”, destacou o juiz em sua decisão. Além das movimentações de quase 9
milhões de dólares, um acordo de cooperação com o Principado de Mônaco revelou
que o ex-diretor manteve cerca de 11 milhões de euros escondidos naquele país.
Em nota, Eduardo Moraes, advogado
de Zelada, afirmou não ter tido acesso ao teor da decisão que autorizou a
prisão, mas antecipou “com toda segurança a absoluta desnecessidade” da medida.
Segundo o defensor, a “sua liberdade não representa, como nunca representou,
qualquer risco à investigação ou à ordem pública”. Moraes ainda atacou o
“método” das autoridades da Lava Jato de prender para apurar e processar ao
“subverter a Constituição Federal”.
*Reportagem publicada originalmente na
edição 857 de CartaCapital, com o título "José Dirceu, o eterno"
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