PARA VENCER O GOLPISMO
Renan Calheiros é o
último vagido do latifúndio canavieiro do Nordeste; Eduardo Cunha, um Inocêncio de Oliveira urbano, mais articulado, e com as mesmas raízes no atraso
De um lado está um PMDB poderoso e inconfiável; de outro, um PSDB ensandecido pela paixão golpista. Uma união diabólica
Por Roberto Amaral - na Carta Capital
O Brasil não é uma republiqueta, e aqui
não se repetirão os bem sucedidos ensaios do Paraguai e de Honduras. Nem
outros, porque a sociedade também não mais aceitará a quebra da legalidade
reconquistada após mais de 20 anos de ditadura militar. Muitas de suas
cicatrizes ainda estão vivas, outras coçando para nos lembrar do que não
poderemos jamais esquecer.
É
o que não entendem as novas vivandeiras, felizmente ainda sem tropas para
cortejar. Tampouco Aécio é Carlos Lacerda, em comum apenas o desapreço ao jogo
democrático. E os muitos desvios de caráter. Também não surpreende a nova
postura de FHC: antes dele, muitos homens públicos envelheceram sem sabedoria.
É mesmo muito difícil sobrevier à propria biografia.
Eduardo
Cunha é um Severino urbano, mais articulado, e com as mesmas raízes no atraso,
a que se somam seus negócios com a ala mercenária do pentecostalismo. E por
isso mesmo incontrolavelmente audacioso e na mesma medida perigoso. Renan
Calheiros é o último vagido do latifúndio canavieiro do Nordeste. Mas todos
estão na ativa. Um presidente da Câmara dos deputados, outro presidente do
Senado Federal e do Congresso. Todos na linha constitucional da sucessão
presidencial.
Há
no país uma coorte assumidamente golpista reunindo imprensa – o maior partido da
oposição –, setores ponderáveis da avenida Paulista e partidos políticos. Esta
é, oficialmente, a postura do PSDB, açulado pela oscilação macunaímica [com o
perdão a Mario de Andrade] de um PMDB que, não sabendo se é governo ou
oposição, joga maliciosamente nas duas pontas contra a Presidente.
Mas
esse PMDB, artífice da chantagem, é o maior partido da base do governo, que
dele depende para governar! Desse PMDB é vice-presidente da República e
articulador politico do governo o Sr. Michel Temer, que, em convescote em Nova
Iorque anuncia, para aplauso dos presentes, que ‘manteria o Levy no
Ministério’. Em quais circunstâncias isso seria possível?
De
um lado, portanto, está um PMDB poderoso e inconfiável. De outro, um PSDB
ensandecido pela paixão golpista. Uma união diabólica. Girando como pião entre
uma força e outra, uma base parlamentar flébil, acuada, e um PT que do velho e
aguerrido Partido dos Trabalhadores de anos passados guarda só a sigla.
Nessas
circunstâncias movem-se as peças de um oposicionismo canhestro propelido pela
irracionalidade da inveja, pelo despeito que alimenta o ódio hepático. Esse
filme o Brasil conhece e repudia: já o viu em 1954 e em 1964 e sabe qual foi o
preço pago pela democracia em ambas as oportunidades. Rejeitamos sua reprise
masterizada.
O golpismo se desenvolve em cascata: o primeiro passo foi a
recusa em reconhecer o pleito e sua lisura e a tentativa de ‘recontagem’,
insinuação de fraude eleitoral; depois as ridículas tratativas visando a
impedir a posse, depois os reiterados ensaios deimpeachment (ora
por motivação política, ora judicial, ora por isso e ora por aquilo, e sempre
sem fundamentação ética ou legal); depois, promessa de ‘sangrar a presidente’,
inviabilizando seu governo, ainda que isso cobre preço altíssimo à economia
nacional e à vida de nosso povo. A tentativa é asfixiar o governo para
vê-lo irremediavelmente sem fôlego.
Essa gente não leva em conta as consequências para a
economia do país. Aí entra em cena a felonia do PMDB, que escala os presidentes
da Câmara dos Deputados (este na expectativa de ser processado por crime comum [extosão] pelo STF) e do Senado Federal, de
biografias conhecidas, para o ofício da sabotagem. São eles os verdadeiros
líderes da oposição, juncando de trambolhos o governo da presidente Dilma, no
afã de jogá-la e seu partido contra a população.
Na verdade, não se trata do salutar exercício da oposição –
sem a qual não existe democracia digna do nome –, mas da tentativa de
exterminar politicamente a presidente e seu partido, tentativa que em si mesma
nega e repele o processo democrático. O leitmotifdessa
oposição desvairada deixa de ser a crítica pontual ou em tese ao governo. Em
seu lugar se instala a lógica do ódio que gera ódio, o mais eficaz fermento da
intolerância que gera a violência, que descamba da ofensa verbal para a
agressão física.
Este
é um labor mesquinho, quando todos deveríamos estar unificados na busca de
saída para a crise. Esta é a hora de buscar compromissos honrosos, é o momento
de abandonar a mesquinhez da luta pequena que empobrece a política e passara
pensar no país.
Que
tempestades espera a oposição colher com os ventos que ora sopra?
A
análise só se justifica como instrumento de ação. Se a tentativa de golpe
está posta, que se erga a defesa do governo. Sem lamentar a oposição, mas,
denunciando seus arreganhos golpistas, cuidar de sair do imobilismo em que se
acham a centro-esquerda e os liberais. O momento, portanto, não permite nem a
contemplação inativa nem a autocomiseração (“estamos no volume morto!” “temos
que ser punidos pelas besteiras que fizemos!”).
Essas
duas alternativas, se escolhidas por nós, favorecem o conservadorismo. Há uma
terceira que igualmente nos enfraquece, a da automistificação (“O petismo no
poder foi revolucionário, emancipou as massas e alijou do poder as classes
dominantes!”). O primeiro passo, agora, é distinguir o fundamental do
acessório. E o fundamental me parece ser, nas atuais circunstâncias, a
sustentação do governo Dilma, até para poder alterar-lhe a equivocada política
econômica. A pura crítica nossa só interessa, neste momento, aos setores
golpistas.
Mas
o governo tem que ajudar: ele precisa definir de que lado está. A presidente
Dilma Rousseff precisa se convencer de que:
1) O Brasil não vive um 'pacto de
classes': um esboço desse pacto, encarado taticamente pela burguesia, foi feito
no governo Lula, pois o projeto tucano havia se esfacelado;
2)
Fortalecida, a direita já fez sua opção, e ela é, neste primeiro momento, Aécio
Neves, candidato ‘consagrado’ em uma campanha que para ela não acabou nem
acabará antes de seu triunfo, independentemente do preço a pagar;
3) Logo, só é
possível ocupar o espaço da centro-esquerda, deixado vago, em parte, pelo
próprio governo petista, com sua tática de conciliação permanente.
Isso implica definir uma agenda progressista mínima e buscar
implementá-la na medida que as circunstâncias permitirem.
Contrário
senso, limitar as concessões à direita ao mínimo indispensável para sobreviver.
Ou seja, procurar só fazer recuos que permitam avançar. Se necessário, dois
passos à frente e um atrás, jamais o contrário.
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