O GOLPE NOS FEZ PERDER A VERGONHA, E AS CONSEQUÊNCIAS SÃO DEVASTADORAS
Os procuradores fazem de conta que procuram, e eu faço de conta que julgo com imparcialidade
Texto de Paulo Nogueira no DCM
A maior perda sofrida pelo Brasil com o golpe não está no
campo econômico, social ou político — embora em todos estes campos os
prejuízos sejam imensos.
Nenhuma perda no entanto se iguala a uma que não pode ser medida em números, ou algoritmos, ou qualquer coisa do gênero.
Trata-se da perda de pudor.
A plutocracia impôs ao Brasil uma carga devastadora de
descaro, cinismo, hipocrisia. É como batessem sua carteira e ainda
dissessem que estão fazendo um bem para você.
Vistas em retrospectiva, algumas cenas são particularmente memoráveis no pudor perdido.
Uma delas fica para a posteridade estudar: o comportamento
de Teori Zavascki diante de Eduardo Cunha. Fazia tempo que Teori tinha
todas as informações necessárias para afastar Cunha do comando de um
processo de extrema importância para o país.
Mas ele se movimentou apenas depois que Cunha fez todo o trabalho sujo, com seus conhecidos métodos.
Por que a espera? A resposta é dolorida demais para que a aceitemos: porque Cunha já não tinha serventia.
Teori jamais foi questionado sobre os motivos, como se o
caso fosse banal. Nenhum jornal fez sequer um mero editorial nem que
fosse apenas para guardar as aparências.
É como um juiz que só se mexe depois que a cadeira elétrica
foi acionada, mesmo tendo na gavetas provas incontestáveis da inocência
do réu.
Outro episódio chocante no processo de perda de pudor se deu
agora com as propinas milionárias de Serra. A mídia plutocrática barra o
noticiário e todos fingem que nada há de errado com um chanceler em
cuja conta — no exterior — foi depositado o equivalente a 34 milhões de
reais em dinheiro de hoje.
O jornalista americano Glenn Greenwald anotou o seguinte no
Twitter, ao retransmitir um texto em que o Globo trazia a lista de
compras de supermercado de Dilma. “Agora entendemos por que os
jornalistas do Globo não têm tempo para cobrir o caso Serra.” (Cito de
cabeça: podem ter sido outras as palavras, mas o sentido é exatamente
aquele.)
Rir ou chorar da miséria humana, perguntaram-se grandes filósofos da Antiguidade. O consenso foi que era melhor rir.
Rir ou chorar da miséria humana e jornalística, podemos agora nos perguntar. Rir — mas como é difícil.
Em nada, no entanto, é tão clara a perda de pudor do que no
caso Lula-Moro. Os papeis estão definidos como num roteiro de Hollywood.
Moro é o juiz e Lula o criminoso. Os fatos não apoiam esse script? Ora, danem-se os fatos, como escreveu Nelson Rodrigues.
Um país sem pudor não tem nada a que se agarrar no campo das
virtudes. Nele vigora a lei do mais forte, e a plutocracia pode muito
com suas moedas.
É o nosso caso, lamentavelmente. O golpe nos fez uma desprezível república de bananas.
Riamos — pelo menos quanto isso for permitido.
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