Celso Antonio Bandeira de Melo: Sem base para o impeachment
Para o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, "Os golpes, não é de hoje, costumam ser fabricados na Justiça."
O jurista Celso Antônio Bandeira de Mello rejeita a tese
CartaCapital: O
que o senhor pensa a respeito desse movimento latente a favor do impeachment de Dilma Rousseff?
Celso
Antônio Bandeira de Mello: Tem-se
falado muito na mídia. Como sabemos, mídia e oposição são a mesma coisa. É como
em um jogo de futebol, perdem, mas tentam ganhar no tapetão. Não acredito que o
“povo”, como diz a oposição, esteja tão interessado no impeachment. Criou-se o hábito
de chamar de opinião pública a opinião publicada por certos meios de
comunicação. Enquanto existir milho para alimentar as galinhas, não vejo um
risco de impeachment. E
que milho é esse? O poder de manter o Parlamento atrelado à dependência do
governo. E nenhum jurista se propôs, até agora, a responder ao tal artigo que
propôs a hipótese. Não vale a pena. Há uma tentativa de se fabricar um
movimento.
CC: E
a reação do governo?
CABM: Dilma
Rousseff não está bem assessorada. Aloizio Mercadante, um de seus principais
auxiliares, não prima pela habilidade. Economistas, aliás, não costumam ser
bons políticos. Parece-me que ela já foi mais sensível a outras opiniões, às de
Lula, por exemplo. A presidenta tem reagido de forma muito tímida.
Aparentemente, ela se entregou à mão desse rapaz, que não parece ser de grande
destreza política.
CC: O
senhor considera a possibilidade de faltar apoio social à presidenta caso, ao
contrário do que o senhor pensa neste momento, tome corpo um movimento pró-impeachment?
CABM: Isso
me preocupa. O povo acha que todo político é safado. Logo, não interessa se o
político é corrupto ou não. Eu, se fosse da ala política, me agarrava no Lula,
isso sim. Esse tem prestígio. Em um momento de dificuldade, quando você
decepciona seus aliados, na hora em que se nomeia para o Ministério da Fazenda
um homem comprometido com a direita, como será possível pedir apoio? A nomeação
do ministro, dizem, foi para apaziguar o chamado mercado. Quando eu vejo o
mercado satisfeito, tenho arrepios. Como esperar auxílio dos trabalhadores se
paira a ameaça de retirada de benefícios sociais? Se você não está nem de um
lado nem de outro, acaba nas mãos de seus inimigos. Tenho medo de faltarem
forças para uma reação. Isso é um perigo não só neste momento, mas também no futuro
próximo. É preciso destacar um ponto: o PT e a esquerda de forma geral nunca
deram importância à Justiça, às articulações políticas do Poder Judiciário. Mas
os golpes, não é de hoje, costumam ser fabricados no meio jurídico.
CC: A
eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara agrava o cenário?
CABM: Ele
é perigoso por ser inteligente. Se fosse um idiota, não haveria maiores
problemas. De qualquer forma, para um processo de impeachment ganhar
força é preciso uma maioria elástica. Não vejo argumentos jurídicos
suficientes. Se a investigação realmente se aprofundar, vai atingir governos
anteriores. Alguém acredita sinceramente que a corrupção na Petrobras começou
ontem, nos governos do PT? Todo ano, faz tempo, sai uma nova edição do meu
curso de Direito Administrativo. Descrevo, nesse livro, os desmandos do senhor
Fernando Henrique Cardoso na estatal, que literalmente colocou raposas para
cuidar do galinheiro. O governo FHC tirou a submissão da Petrobras à lei de
licitação e a própria empresa passou a regular os contratos. Foi a sinalização
mais clara para as negociatas. De volta à eleição de Cunha. Ela também confirma
o velho e conhecido fisiologismo do mundo político. Lula, um gênio, soube lidar
com essa realidade. Dilma não é o Lula. Ela sobreviveu ao primeiro governo e
conseguiu ser reeleita, mas a direita considera que essa vitória foi demais,
principalmente pelo fato de a diferença de votos ter sido tão pequena.
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