Paraná: “ajuste fiscal” a bala e cassetete
Violência utilizada contra grevistas pelo governo Richa serve de alerta: políticas adotadas no país desde início do ano ameaçam a democracia
Por Ricardo Gozzi, na RBA, por E-mail
O foco do protesto dos servidores do
Paraná, que ontem (29) tiveram seu direito democrático à manifestação
violentamente rechaçado pela polícia militar, está no Projeto de Lei de autoria
do governador Beto Richa (PSDB) que muda as regras para o custeio do de parte
das aposentadorias e pensões dos servidores públicos estaduais.
A proposta do Executivo determina,
entre outras medidas, que os mais de 34 mil aposentados com mais de 73 anos e
que não contribuíram com o Fundo Previdenciário passem a receber seus benefícios
não mais do governo paranaense, mas da previdência do estado. Com isso, alega
Richa, o governo aliviaria seu caixa em cerca de 140 milhões de reais mensais.
Por outro lado, provocaria um enorme furo na poupança previdenciária dos
servidores. A lei acabou sendo aprovada ontem, por 31 votos a favor e 20 contra
– apesar do entorno da Assembleia Legislativa (Alep) ter sido transformado numa
praça de guerra entre forças desproporcionais.
Cálculos de especialistas
previdenciários consultados pelos servidores indicam as razões para a
indignação da categoria. Com a medida aprovada pela maioria governista na Alep,
a Paraná Previdência sofrerá uma descapitalização – mais popularmente conhecido
por “rombo” – de algo em torno de R$ 6 bilhões a 7,7 bilhões no decorrer dos
próximos quatro anos, ou seja, até o fim do governo Richa. Além disso, terá sua
solvência reduzida quase pela metade, de 57 para 29 anos.
O tucano aponta a folha de pagamentos
dos servidores a partir de 1º de maio, data-base do funcionalismo paranaense,
será de aproximadamente R$ 110 milhões – número próximo, portanto, da economia
mensal prevista com as mudanças – para justificar a proposta.
O argumento, porém, é prontamente
rebatido pela bancada de oposição a Richa. “É preciso ficar claro que não se
trata de uma crise previdenciária, mas orçamentária”, salientou o senador
Roberto Requião (PMDB-PR) em reunião com os líderes das bancadas de governo e
oposição paranaenses, antes da sessão na Alep.
Os eleitores paranaenses desconheciam
que o Tesouro do estado estivesse em situação tão crítica no início outubro do
ano passado, quando reelegeram Richa em primeiro turno, com mais de 55% dos
votos. Ao longo de sua campanha, o tucano vendeu a imagem de que sua gestão até
então tinha resultado num estado saneado financeiramente e que tinha tudo para
melhorar em sua segunda gestão.
Até mesmo de acordo com a oposição a
Richa na Alep, as contas apresentadas até o ano anterior não mostravam nada que
indicasse algo muito diferente do que era alardeado pelo tucano.
Entre as teses que tentam explicar o
“repentino” colapso das contas públicas do Paraná, o deputado estadual Tadeu
Veneri (PT), líder da oposição na Alep, suspeita que haja relação com a
campanha de Richa para a reeleição – que teria aberto os cofres públicos muito
acima do permitido para garantir chegar ao segundo mandato. Uma auditoria
minuciosa sobre as contas públicas poderia esclarecer se as suspeitas procedem.
O fato é que o tucano foi reeleito e,
no início de dezembro passado, apenas algumas semanas depois de conhecidos os
resultados das urnas, Richa declarou publicamente que o Paraná estava à beira
do colapso financeiro, que necessitava de “choque de gestão”, o que equivaleria
a implementar uma velha e conhecida receita: diminuir despesas e aumentar
arrecadação.
Poucos dias depois o governo faria a
Alep aprovar “a toque de caixa” um tarifaço para elevar as receitas – com
aumentos no IPVA e no ICMS. Insuficientes para cobrir o déficit orçamentário,
Richa anunciou então um pacote de ajuste fiscal. Tal ajuste inclui medidas como
o parcelamento “voluntário” das dívidas do Estado com seus credores e
fornecedores. Em sua versão original, a proposta já incluía mudanças no custeio
da previdência dos servidores.
A
mobilização
Em fevereiro, uma greve de professores
seguida de ocupação da assembleia por servidores descontentes, forçou o
governador a recuar do ajuste fiscal tal como proposto e levou ao fim da
chamada “comissão geral”, criada como um artifício regimental que funcionava
aprovar matérias em caráter de “urgência urgentíssima”, acelerando o trâmite
sem debates nem diálogos com a sociedade, de projetos impopulares de interesse
do governo e que ganhou o apelido de “tratoraço”.
A pressão popular levou ao
desmembramento do ajuste fiscal. O parcelamento “voluntário” das dívidas do
Estado com seus credores começou a ser votado antes das alterações na
previdência. Logo depois da eclosão da primeira greve dos professores, o
governo retirou a proposta sobre as pensões e aposentadorias e a reformulou. O
assunto foi discutido com o Fórum dos Servidores, que propôs emendas. Mas
muitas não foram acatadas pelo governo. Segundo a oposição, não houve diálogo,
mas sim um “monólogo”.
Na
semana passada, quando o projeto foi enviado à Alep em regime de urgência, a
APP Sindicato decidiu em assembleia pela segunda paralisação em menos de dois
meses e outros sindicatos de servidores igualmente se insurgiram: também
entraram em greve os professores universitários, os profissionais de saúde e os
agentes penitenciários, todos eles preocupados com o futuro de suas
aposentadorias.
Repressão
Na
noite de ontem, depois da desproporcional força policial aplicada contra
professores e servidores públicos paranaenses, dirigentes da APP percorreram os
hospitais de Curitiba em busca de notícias sobre as vítimas mais graves. Das
mais de 40 pessoas que precisaram de resgate, três passaram a noite em
observação em hospitais da capital. Pelo menos 213 pessoas precisaram de pronto
atendimento no Centro Cívico, coração do poder no Paraná, de acordo com dados
fornecidos pela prefeitura curitibana. O número total, no entanto, passa de
400, segundo contagem da APP Sindicato. Parte das vítimas era também de idosos,
crianças e também deficientes físicos.
A
polícia alegava não haver professores entre os detidos, o que era veementemente
desmentido pela APP. A própria reportagem da RBA identificou pelo menos dois
professores filiados à entidade algemados nas dependências da Assembleia
Legislativa do Paraná (Alep) na tarde de quarta-feira antes de serem conduzidos
a delegacias de Curitiba.
O
comando de greve da APP reúne-se hoje para um balanço mais detalhado dos
acontecimentos de ontem e para decidir os próximos passos. Nas páginas da
entidade na internet, o slogan “Eu tô na luta!” foi substituído por “Eu tô no
luto!”.
Sem medidas
A
confusão começou por volta das 15h, quando um grupo de manifestantes avançou
sobre uma das centenas de barreiras de metal posicionadas pela polícia ao redor
da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) desde o fim de semana, quando a
justiça do Estado concedeu liminar para que o Parlamento estadual votasse a
impopular medida sem a presença de público nas galerias da casa.
A
contenção ao avanço poderia ter-se limitado a um mero empurra-empurra, mas a
polícia reagiu imediatamente e sem diálogo com disparos de bala de aço
revestida de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. O número de vítimas com
marcas de bala na região da cabeça mostra que a PM mostrou, mais uma vez, seu
despreparo para lidar com manifestações populares.
Em
pouco tempo o gás tóxico empesteou todo o Centro Cívico e a região
transformou-se na praça de uma guerra desproporcional, opondo servidores
públicos desarmados a uma força de repressão treinada para qualquer coisa que
não seja lidar com população civil.
Logo
que as forças começaram a reprimir o protesto dirigentes sindicais posicionados
em um caminhão de som começaram a pedir calma aos manifestantes, e também aos
policiais. Mas a tropa de choque seguiu explodindo bombas por mais de uma hora
e meia. Também foram usados canhões d’água. Helicópteros da polícia voaram
baixo na praça em frente à Alep.
Foram
tantas as bombas de gás lacrimogêneo disparadas contra os manifestantes que
funcionários da prefeitura de Curitiba, a cerca de cem metros do foco principal
do confronto, tiveram de deixar seus postos de trabalho porque não conseguiam
respirar lá dentro. Em uma escola infantil vizinha, crianças passaram mal
depois de inalarem o gás. Nem as forças de repressão escaparam dos efeitos de
suas próprias armas. Mais de 20 policiais foram atendidos pelo serviço médico
da Alep com sintomas de intoxicação.
“Jogaram
servidor contra servidor”, lamentava o deputado estadual Professor Lemos (PT)
depois de observar as cenas de truculência da polícia.
Dentro
da Alep, o presidente da casa, Ademar Traiano (PSDB), não se sensibilizou com
os relatos de seus colegas sobre as cenas de guerra no lado de fora do
Parlamento e recusou-se a atender aos apelos para que fosse suspensa a sessão.
“O que acontece lá fora não é da minha alçada”, esquivou-se.
Diante
das informações sobre vítimas, Traiano pegou o telefone celular e afirmou ter
conversado com o secretário de Segurança Pública, Francisco Francischini. Pelo
microfone, disse ter ouvido do secretário que a culpa era de “um grupo de 50
blackblocs”, que as bombas estariam sendo lançadas pelos manifestantes e que
haveria mais vítimas entre os policiais do que entre os civis (apenas quatro).
Indignado,
o deputado Nereu Moura (PMDB) manifestou-se da tribuna: “São blackblocs armados
de giz e avental”.
Richa,
por sua vez – e previsivelmente – defendeu a ação da polícia e colocou a culpa
em “radicais”.
Comentários
Postar um comentário
comentário no blogspot