Teatro: Que pai é esse?
No Rio, monólogo perturbador, em
montagem criativa, investigou – até o domingo passado - conflituosa
relação entre o psicanalista Jacques Lacan e sua filha, a partir do ponto de
vista de Sybille
Por Wagner Correa de Araujo – por
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Elo fundamental na teoria
psicanalítica de Jacques Lacan, marcada pelo significado e pelo significante
verbal e filosófico do Em Nome do
Pai, este vir a ser da paternidade diante do núcleo familiar se
desdobra, ali, entre o simbólico, o imaginário e o real. Um pensar vazio e
sem ecos – no que se refere à sua efetiva aplicação à própria e primeira
família constituída desse intelectual-mor na cultura da segunda metade do
século XX.
A
sua partida súbita e sem volta, criando uma sensação de desafeto no abandono da
mulher e de três filhos pequenos, acaba por afligir de forma contundente a
caçula Sibylle. Acentuando-se mais ainda, entre o ciúme e a mágoa, pela
especial atenção que esse pai célebre só concede à filha única do segundo
casamento – Judith. Uma dor que vai atravessar décadas até a morte
autoprovocada, aos setenta e três anos (2013), por excessiva ingestão de
remédios. E pouco mais de duas décadas após o dramático desabafo
confessional, no livro Um Pai
(Puzzle), que inspira o titulo da peça homônima, com brilhante
adaptação dramatúrgica do cineasta Evaldo Mocarzel.
Registre-se uma sutil ambiência
cenográfica (Marcelo Lipiani), quase soturna em suas tonalidades negras, no
recatado clima de luz e sombras (Maneco Quinderé) e na elegante discrição dos
figurinos (Marcelo Olinto). E a rara particularidade de alcançar uma
transcendência ímpar na seminal performance solo de Ana Beatriz Nogueira.
A
atriz/personagem estabelece uma emotiva interação reflexiva com a plateia,
ainda que presa à aridez de um depoimento/verdade sem concessões ao
sentimentalismo, neste seu clamor de não ser apenas um filho a mais de um pai
distante. A permanente linha inventiva da direção conjunta – Guilherme
Leme Garcia/Vera Holtz, concentra os olhares no sensório gestual da
protagonista e no equilibrado palpitar das palavras, entre a dor dos afetos
negados e o grito de revolta.
Completando
a superlativa estética do espetáculo, a música incidental (Andrea Zeni/Zélia
Duncan) tece precisos fios sonoros de exteriorização das vozes secretas de
Sibylle Lacan:
“Quando
eu nasci, meu pai não estava mais conosco. Até poderia dizer que, quando fui
concebida, ele já estava em outro lugar […]. Sou o fruto do desespero. Alguns
dirão que sou fruto do desejo, mas não creio nisso…”
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