O "clamor" alimentado pela limprensa
Por Luciano Martins
Costa, no Observatório da
Imprensa:
Muito
frequentemente, leitores de jornais questionam este observador sobre as razões
pelas quais a mídia tradicional do Brasil perdeu diversidade e adotou nos
últimos anos um viés tão radicalmente conservador e tão homogêneo que chega a
se caracterizar como um verdadeiro partido político. A resposta nunca é
simples, mas a própria imprensa oferece exemplos que ajudam a entender como se
deu esse processo de perda de qualidade e degeneração da atividade
jornalística.
Por exemplo, sabe-se que a imprensa, como sistema, tem um
alinhamento automático com o campo ideológico que se denomina “liberal”, no que
se refere às questões da economia, o que corresponde a escolhas que devem ser
qualificadas como reacionárias no campo social. Reacionárias porque reagem
vigorosamente a qualquer intervenção direta do Estado no sentido de corrigir as
perversidades do sistema capitalista para produzir um mínimo de equanimidade
nas oportunidades de promoção social dos indivíduos.
Assim, esse conjunto de empresas que catalisa pensadores e ativistas como
instrumentos de influência e poder vive essa contradição que, de certa forma,
reproduz as discrepâncias do próprio sistema capitalista. Por exemplo, a
imprensa precisa se apresentar como uma espécie de farol da modernidade, porque
isso justifica sua existência, mas se comporta mais frequentemente como uma
lanterna na popa, mais apta a iluminar o passado, reescrevendo a História, do
que ajudando a entender o que vem pela frente.
Numa sociedade complexa como a brasileira, onde a dinâmica das relações sociais
e de negócios não encontra no campo político uma representação correlata, as
escolhas da imprensa acabam por distorcer o equilíbrio entre as opções
ideológicas, dando maior peso às alternativas conservadoras.
Isso fica muito claro quando notamos que a mídia tradicional despreza certos
protagonistas da cena política, por considerá-los menos qualificados, mas se
vale deles como a “mão do gato” para alcançar determinados propósitos.
Na terça-feira (2/6), por exemplo, registre-se como, novamente, os jornais dão
grande destaque, sem o devido senso crítico, a iniciativas dos líderes do
Congresso Nacional, que estão empenhados em fazer aprovar uma série de
propostas que produzem retrocessos em conquistas sociais importantes da
democracia brasileira.
Negação do contraditório
Estimulados pela constante exibição nas primeiras páginas dos jornais e pelo
tempo que lhes é destinado nos noticiários do rádio e da televisão, o senador
Renan Calheiros e o deputado Eduardo Cunha mantêm um aceso conflito com o poder
Executivo, dando curso a mudanças em questões há muito acomodadas no quadro
legal.
A proposta da redução da maioridade penal entra em pauta nesse contexto de
confrontação, e em seguida é colocado na agenda um projeto que altera o
equilíbrio dos poderes, transferindo para o Parlamento funções de gestão das
empresas estatais.
Nessa linha de iniciativas, aguarda na fila um projeto de lei que pretende
transformar em letra morta o sistema de controle da circulação de armas de
fogo, restrição que é apontada por especialistas como uma das principais causas
da redução de mortes violentas no país nas duas últimas décadas.
Propostas como essas avançam e conquistam a opinião de cidadãos pouco educados
politicamente, justamente porque a imprensa não faz o trabalho de elucidar
problemas complexos que preocupam a sociedade.
A desinformação, produzida pela prática das aleivosias e da meia-verdade na
rotina da mídia, resulta em opiniões radicais sobre questões sociais, como a
defesa do encarceramento de adolescentes e o apoio crescente à pena de morte.
Por trás de tudo, como justificativa para esses retrocessos, acena-se com o que
se denomina de “clamor popular”.
O tal “clamor” nasce quase sempre do mau jornalismo, como no caso de um jovem
acusado do assassinato do médico Jaime Gold, no Rio de Janeiro, e que se
demonstrou ser inocente.
Em editorial no qual apoia veladamente a proposta de mudança na regra da
maioridade penal, o Globo se refere a uma suposta “rigidez paternalista” do
Estatuto da Criança e do Adolescente e afirma que há “um compreensível clamor
por mudanças, ideologias à parte”. Com esses argumentos, defende a consulta
popular porque o assunto seria “de fácil compreensão geral”.
Primeiro, a expressão “ideologias à parte” é uma negação do contraditório,
fundamento da sociedade moderna. Segundo, o que o jornal qualifica de “clamor
por mudanças” é apenas o resultado da ação cotidiana da própria imprensa em sua
pregação reacionária. Terceiro, a “fácil compreensão” é o efeito do noticiário
que criminaliza crianças e adolescentes negros e pardos, aos quais é negada
qualquer oportunidade de inclusão social.
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