Uma droga cubana contra câncer de pulmão já é a salvação para japoneses e será também para os norte americanos
Depois do Japão,
EUA também testam “Cimavax”, vacina terapêutica promissora desenvolvida em
Havana. Como Cuba pôde criá-la? Que ela revela sobre bloqueio de 55 anos?
Cuba tem, há vários anos, uma promissora vacina terapêutica
contra câncer de pulmão. O embargo de 55 anos imposto pelos EUA garantiu
que Cuba ficasse principalmente onde estava. Até – talvez – agora.
O governo Obama
tem, é claro, tentado normalizar as relações com a ilha. E no mês passado,
durante a visita a Havana do governador de Nova York, Andrew Cuomo, o Instituto do Câncer Roswell Park — um centro de referência em
tratamento e pesquisa científica sobre a doença, nos EUA — concluiu um acordo
com o Centro Cubano de Imunologia Molecular para desenvolver uma vacina contra
câncer de pulmão e iniciar testes clínicos nos EUA. Pesquisadores
norte-americanos levarão a vacina Cimavax ao país e encaminharão o assunto para
aprovação pela FDA (Food and Drug Administration, ou Agência de Alimentos e
Drogas).
“A oportunidade de
avaliar uma vacina como essa é muito instigante”, diz Candance Johnson,
principal dirigente do Roswell Park. Ela está entusiasmada, principalmente
porque a pesquisa sobre a vacina mostra, até aqui, que ela tem baixa toxicidade
e é relativamente barata para produzir e estocar. O Centro para Imunologia Molecular
dará ao Roswell Park toda a documentação (como é produzida, dados sobre
toxicidade, resultados de testes passados) para um pedido de registro junto à
FDA; Johnson diz que espera conseguir aprovação para testar a Cimavax em seis a
oito meses, e para começar testes clínicos em um ano.
Como Cuba chegou a
produzir uma droga de ponta em imuno-oncologia? Embora o país seja com razão
famoso pelos charutos, rum e basebol, ele tem também alguns dos melhores e mais
criativos centros de pesquisa em biotecnologia e medicina no mundo. Isso é
especialmente notável para um país onde o trabalhador médio ganha 20 dólares
por mês. Cuba gasta não mais que uma fração do valor que os EUA investem em
cuidados de saúde por indivíduo; apesar disso, o cubano médio tem uma expectativa
de vida semelhante à do norte-americano médio. “Eles tiveram de fazer mais
com menos”, diz Johnson, “então precisaram ser ainda mais inovadores quanto à
maneira de abordar as coisas. Há mais de 40 anos, têm uma
destacada comunidade de imunologia.”
A despeito de décadas de
sanções econômicas, Fidel e Raul Castro deram prioridade à pesquisa em medicina
e biotecnologia, particularmente medicina preventiva. Após o surto de febre da
dengue que atingiu quase 350 mil cubanos em 1981, o governo estabeleceu a Frente
Biológica, um esforço para concentrar em objetivos específicos a pesquisa de
várias instituições. Sua primeira grande realização foi a produção bem sucedida
(e inesperada) de interferon, proteína que desempenha um papel na resposta
imune do ser humano. Desde então, imunologistas cubanos fizeram várias outras
descobertas no campo da vacinação, incluindo suas próprias vacinas para
meningite B e hepatite B, e anticorpos monoclonais para transplante de rim.
O problema dos grandes charutos é que fumá-los faz
realmente muito mal à saúde. Em Cuba, câncer de pulmão é a quarta causa de
morte. Os pesquisadores médicos do Centro para Imunologia Molecular trabalharam
na vacina Cimavax durante 25 anos antes que o ministério da Saúde a
disponibilizasse para a população – gratuitamente –, em 2011. Cada injeção
custa ao governo cerca de 1 dólar. A Fase II dos testes, de 2008, mostrou que
pacientes com câncer de pulmão que receberam a vacina viveram, em média, de
quatro a seis meses mais do que aqueles que não a tomaram. Isso levou o Japão e
alguns países europeus a também iniciar testes clínicos com a Cimavax.
Para ser justo, em sua
forma atual a Cimavax provavelmente não é uma droga que irá virar o jogo. A
vacina não ataca os tumores diretamente, mas vai atrás de proteínas que o tumor
produz e, depois, circulam no sangue. Essa ação estimula o corpo a liberar
anticorpos contra um hormônio denominado fator de crescimento epidérmico, cuja
atividade típica é estimular o crescimento celular mas que pode também, se
descontrolado, causar câncer. (Embora normalmente a maioria das pessoas pense
em vacina como algo que previne doenças, tecnicamente vacina é uma substância
que estimula, de algum modo, o sistema imunológico.) Assim, a função da Cimavax
é evitar que os tumores do pulmão cresçam e causem metástase, transformando o
último estágio do seu crescimento em algo crônico porém manejável.
Nos EUA e na Europa, as
pessoas com câncer de pulmão já têm opções de tratamento com esse mesmo
objetivo. Os pesquisadores de Roswell Park, contudo, dizem que planejam
explorar o potencial da vacina como uma droga que intervém preventivamente –
transformando-a num tipo de vacina mais tradicional. Além disso, o fator de
crescimento epidérmico desempenha importante papel em vários outros tipos de
câncer, tais como os de próstata, mama, cólon e pâncreas. “Todos eles são alvos
potenciais para esta vacina”, diz Kelvin Lee, imunologista do Insituto.
Principalmente por razões financeiras, os cubanos nunca testaram a Cimavax
nesse sentido.
E essa não é a única
droga com potencial na farmacopeia cubana. Thomas Rothstein, biólogo do
Instituto Feinstein de Pesquisa Médica, vem há seis anos trabalhando com o
Centro para Imunologia Molecular em outra vacina contra o câncer de pulmão
denominada Racotumomab, cujo mecanismo é inteiramente diferente. (Ela
desorganiza um lipídio específico encontrado nas membranas das células
tumorosas.) “Pesquisadores de todo o mundo estão tentando quebrar a noz do
câncer”, diz Rothstein. “Os cubanos estão pensando de modos novos e
inteligentes.”
Embora o presidente
Obama tenha usado seu poder para acabar com algumas restrições a equipamentos
médicos e de pesquisa, o Congresso precisa derrubar o embargo a Cuba
para que a pesquisa colaborativa possa deslanchar. Johnson espera ver Cuba
aderindo mais ao empreendedorismo em ciência, e ver os EUA absorverem
abordagens mais criativas em pesquisa médica. Limitados pela política, os
pesquisadores cubanos necessitaram inovar de maneiras que os EUA e a Europa não
fizeram. Agora talvez possam ensinar seus colegas o que aprenderam.
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