Dilma em O Globo. Ou como dar um nó nas “verdades de repetição”
O dia em que os entrevistadores
foram obrigados a se explicar para Dilma
Luís Nassif
Em geral, entrevistas com
autoridades visam obrigar o entrevistado a sair da zona de conforto das
afirmações não questionadas. Na entrevista de hoje, ocorreu o contrário: Dilma
obrigou os colunistas do jornal a saírem da zona de conforto das afirmações
reiteradas que, pela força da repetição – e da falta de contraponto -,
tornaram-se verdades acabadas para seus leitores.
Além disso, entrevistas ao vivo
reduzem o poder de manipulação da edição, do uso de frases tiradas do contexto.
Por exemplo:
Energia
Mostrou que o aumento da energia
este ano está ligado à seca, a maior da
história, não à redução tarifária imposta no ano passado.
Defendeu a revisão tarifária,
pelo fato das usinas já estarem depreciadas. Se a renovação da concessão não é
onerosa, não haveria porque incluir nas tarifas itens como depreciação – que a
encareciam.
Rebateu a ideia de que a
manutenção da oferta este ano tivesse qualquer ligação com as termelétricas
construídas no período FHC.
Rebateu enfaticamente os que
afirmaram que o setor elétrico está quebrado. Quebrado é quem não pode honrar
seus compromissos. Não é o caso do setor elétrico que está com problemas apenas
de descompasso de caixa.
Nenhum de seus argumentos foi
rebatido, porque as críticas sempre focaram os pontos errados.
Na atual crise sobressaem as
seguintes questões:
Coloca em xeque o modelo elétrico
desenvolvido pela própria Dilma, enquanto Ministra das Minas e Energia. Pelo
modelo há contratos de longo prazo e o mercado à vista. Quando a geradora não
consegue entregar a energia combinada, tem que ir no mercado à vista se suprir.
Em tempos de escassez profunda de água, como o atual, há uma explosão no
mercado à vista que desequilibra financeiramente o sistema. Esse mecanismo
precisa ser revisto.
O erro da renovação dos contratos
de concessão não estava no conceito mas no valor arbitrado para a antecipação
dos contratos. As companhias estaduais não aceitaram. A Eletrobras foi obrigada
a engolir e, com isso, o governo feriu gravemente um dos grandes pilares de
investimento no setor.
Além disso, não há clareza
suficiente, no novo modelo, sobre o que é de responsabilidade da concessionária
e do governo.
Casamento
homossexual
Mais claro, impossível.
O governo é a favor da
criminalização da homofobia, do casamento civil homossexual, da união estável e
da adoção. Mas só pode arbitrar na parte que lhe cabe: os contratos civis.
Na condição de Estado laico, não
compete ao governo interferir no casamento religioso, que depende de cada
religião. A César o que é de César… Algo tão óbvio e que tem sido mascarado nas
manchetes de jornais.
Reajuste
de combustíveis
Dilma mostrou que nos seu
governo, o reajuste do preço da refinaria foi superior ao do IPCA no período.
Quando se levantou o bordão de
que os preços internos de combustível teriam que acompanhar os preços
internacionais, liquidou a questão com o caso norte-americano do gás de xisto.
Nos Estados Unidos, cobram-se US$ 4 dólares; no mercado internacional, é US$ 12
a US$ 15. Por que não se igualam os preços? Porque a prioridade é a recuperação
da indústria siderúrgica e da petroquímica norte-americana, garantindo empregos
e recuperação da economia.
Ninguém contraditou seus
argumentos.
A questão central sequer foi
abordada: a análise do fluxo de caixa da Petrobras versus os compromissos
assumidos com o pré-sal.
Sobre
as CPIs
Pretender que a presidente
responda pela ineficácia das CPIs é demais. Lembra o filho de uma amiga que,
cada vez que o carro para em um semáforo, brada: “É culpa da Dilma!”. Assim
como na cobrança sobre o apoio de Sarney e Collor, parece faltar aos
jornalistas a noção sobre independência dos poderes, sobre as atribuições do
presidente da República.
Os jornalistas – velhas raposas
políticas – sabem disso. Mas sabem que atribuir tudo à presidente tem eficácia
junto aos leitores. Desde que a presidente não esteja ao vivo para rebater. A
resposta foi óbvia. As CPIs tem na maior parte das vezes apenas interesses
políticos. A oposição é representada. E não cabe à presidente interferir em
outro poder.
Destaque para o tratamento
respeitoso conferido à entrevista, sem os bordejos televisivos, de muito jogo
de cena agressivo e pouco conteúdo.
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