Como funciona a regulação do conteúdo de jornais, revistas, emissoras de rádio e TV naquela ditadura chamada Reino Unido
Bolivariana!
por Luiz Carlos Azenha
Um homem reclamou que o diário Edinburgh Evening News, da capital da
Escócia, publicou numa chamada de primeira página a foto da casa dele,
remetendo erroneamente a uma reportagem nas páginas internas que tratava de
abuso sexual. Por isso, queixou-se à recém-criada Organização
Independente de Padrões da Imprensa (IPSO, na sigla em inglês).
A IPSO analisou o caso e considerou que o jornal violou os
parágrafos um e dois do Código de Conduta dos Editores: “a imprensa precisa ter
cuidado para não publicar informação imprecisa, distorcida ou enganosa,
inclusive fotos”, “assim que reconhecidas, uma imprecisão significativa, uma
declaração enganosa ou uma distorção precisam ser corrigidas prontamente e com
proeminência e, quando apropriado, um pedido de desculpas deve ser publicado”.
A IPSO considerou adequada a retratação do Evening News no impresso e online. O jornal também
se propôs a escrever ao leitor um pedido de desculpas e doar 50 libras esterlinas a
uma instituição de caridade indicada por ele, medidas que o reclamante
considerou insuficientes — a reclamação à IPSO não impede o leitor de recorrer
à Justiça.
Num outro caso, a leitora Lisa Scott reclamou que o Daily Telegraph distorceu informações sobre as
consequências do referendo na Escócia, ao dizer que as pessoas que financiaram
casas através de um programa habitacional britânico se tornariam devedoras de
um governo estrangeiro caso a Escócia se tornasse independente.
A leitora argumentou que, em caso de separação, os termos
da independência escocesa seriam acertados em negociações entre as partes. O
jornal argumentou que havia se baseado em informações do Tesouro britânico e
mostrou o documento que serviu de base à informação. A IPSO decidiu em favor do
jornal.
Os dados acima constam das primeiras
decisões publicadas pela IPSO, que desde que substituiu a
Press Complaints Comission em setembro de 2014 já recebeu cerca de 3 mil
reclamações de leitores e leitoras daquela ditadura bolivariana chamada Reino
Unido.
É direito de resposta na veia.
O comitê de reclamações da IPSO, presidido por um ex-juiz
da Alta Corte, tem doze integrantes: sete independentes e cinco ligados à
indústria de jornais e revistas. Tem poder legal para impor o direito de
resposta e outras providências em defesa de leitores e leitoras. Trabalha com
base no Código de Prática dos Editores.
Entre outras coisas, o código determina:
– A imprensa, embora livre para ser partidária, precisa
distinguir claramente entre opinião, conjectura e fato;
– É inaceitável fotografar indivíduos em lugares privados
sem consentimento deles;
– A imprensa deve evitar referência prejudicial ou
pejorativa à raça, cor, religião, gênero, orientação sexual ou qualquer
deficiência ou doença física ou mental de um indivíduo;
– Detalhes da raça, cor, religião, orientação sexual ou
deficiência ou doença física ou mental de um indivíduo devem ser evitados a não
ser se genuinamente relevantes para a reportagem;
– Mesmo quando não houver proibição legal, os jornalistas
não podem usar para lucro pessoal informação financeira recebida antes da
publicação, nem podem passar tal informação a outras pessoas;
– Jornalistas não podem comprar ou vender, diretamente ou
através de nomeados ou agentes, ações ou títulos sobre os quais tiverem escrito
recentemente ou sobre os quais pretendam escrever em futuro próximo;
– O código proíbe pagamentos por informação a testemunhas
de julgamentos e a condenados ou acusados que tenham confessado crimes, direta
ou indiretamente.
Será que a rainha se tornou chavista?
O regulador independente da indústria de jornais e revistas
britânicos cuida tanto do conteúdo editorial quanto da conduta de jornalistas.
O Código de Prática os impede, por exemplo, de perseguir
gente nas ruas atrás de informação, fotos ou imagens.
A IPSO monitora o trabalho das publicações e receberá um
relatório anual de cada uma delas. “Lidamos com reclamações e conduzimos nossas
próprias investigações sobre padrões editoriais e adesão ao Código”, informa a entidade.
“A IPSO tem poder, quando necessário, para exigir a
publicação de correções proeminentes e de sentenças críticas, e pode multar
publicações nos casos de violações sérias e sistêmicas”, acrescenta.
Mas, não é só. E como é que ficam as emissoras de rádio e
TV, a internet, a telefonia e os Correios?
Para estes existe o Ofcom,
regulador independente e promotor da competição no setor das comunicações.
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O Ofcom é o encarregado do cumprimento de um severo Broadcasting Code.
Ele não cobre a estatal BBC, que tem seu próprio órgão de controle interno,
independente do governo de turno.
É dividido em dez seções: proteção de menores de dezoito
anos; danos e ofensas; crime; religião; imparcialidade e precisão devidas e
proeminência indevida de pontos-de-vista e opiniões; eleições e referendos;
equidade; privacidade; referências comerciais em programação televisiva.
O código do Ofcom garante cobertura justa a todos os
partidos, candidatos e pontos-de-vista em período eleitoral e em referendos.
A seção de imparcialidade trata de evitar a
proeminência de certos pontos-de-vista e opiniões em programas de rádio e TV.
Vejam que ‘escandaloso’ o parágrafo 9 da seção 7, que trata
de Equidade:
“Antes de transmitir um programa factual, inclusive
programas que examinem eventos passados, os concessionários devem ter
cuidado razoável para que:
– fatos não sejam apresentados, descartados ou omitidos de
forma injusta para um indivíduo ou organização; e
– a qualquer pessoa cuja omissão resultará em injustiça
para um indivíduo ou organização seja oferecida a oportunidade de contribuir.”
Decisões típicas, tomadas recentemente pelo Ofcom a partir de reclamações de ouvintes e
telespectadores:
– o radialista James O’Brien violou o Broadcasting Code ao
fazer um comentário crítico sobre um partido anti-imigração, sem citá-lo
nominalmente, num momento em que estavam abertas as urnas de uma eleição
parlamentar disputada pelo partido;
– o apresentador Rohani Alam, de uma TV voltada para
imigrantes, violou o código ao transmitir informações potencialmente danosas
aos telespectadores, prometendo soluções para evitar pesadelos e como conceber
uma criança do sexo masculino, dentre outras;
– a TV Ary News, também voltada para imigrantes, criticou,
de maneira que o Ofcom considerou desequilibrada — e violadora do código — uma
emissora independente do Paquistão, a Geo TV, acusada de blasfemar contra o
profeta Maomé.
Em todos os casos acima citados, os violadores foram
formalmente advertidos. As sanções podem incluir multas. Em casos extremos, o
Ofcom pode cassar a licença, como aconteceu com a iraniana Press TV, quando se
constatou que o concessionário britânico não tinha controle editorial sobre o
conteúdo e, portanto, não poderia responder por ele.
A ironia é que, enquanto no Brasil se diz que a regulação
da mídia equivale a censura, no Reino Unido a IPSO e o Ofcom se definem como
mantenedores da liberdade de expressão de alto padrão.
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