Chomsky: o mundo que nossos netos herdarão?
Como EUA fortalecem, numa época já
turbulenta, surgimento de grupos como ISIS. A estranha relação
Washington-Telaviv. Nas mudanças climáticas, sinal de decadência do sistema
Entrevista a David Barsamian, recebido por E-mail | Tradução Pedro Lucas Dulci
Entrevistado
pelo jornalista David Barsamian, o professor Noam Chomsky, explica as raízes do
Estado Islâmico (ISIS) e porque os EUA e seus aliados são responsáveis pelo
grupo. Particularmente, argumenta, a invasão do Iraque em 2003 provocou um
divisão sectária que desestabilizou a sociedade iraquiana. Solo fértil para os
sauditas estimularem grupos radicais.
A
entrevista também toca no massacre israelense na faixa de Gaza,
destacando o papel vital de Israel no tabuleiro político norte-americano.
Chosmky conta, por exemplo, como Telaviv foi usada por Washington para
fornecer, ao exército a Guatemala, as armas que permitiram o massacre contra
comunidades maias. Era a época do governo Ronald Reagan; o Congresso havia
proibido tal assistência militar — Israel prontificou-se a ser solução.
Por fim, Chomsky compartilha seus pensamentos sobre o
crescente movimento pela justiça climática e porque acha que essa é a questão
mais urgente hoje.
O Oriente Médio está em chamas, da Líbia até o Iraque.
Existem novos grupos jihadistas. O foco atual é o ISIS. O que dizer sobre ISIS
e as suas origens?
Há uma interessante entrevista que só apareceu há alguns
dias atrás, com Graham Fuller, um ex-agente da CIA, um dos principais fontes da
inteligência e dos analistas mainstream sobre o Oriente Médio.
O título é “Os Estados Unidos criaram o ISIS”. Aparentemente, seria mais uma
das milhares de teorias da conspiração que rondam o Oriente Médio.
Mas trata-se de algo diferente — que
vai direto ao coração do establishment norte-americano. Fuller apressa-se em
frisar que sua hipótese não significa dizer que os EUA decidiram dar
existência ao ISIS e, em seguida, o financiaram. Seu — e eu acho que é algo
acurado — é que os EUA criaram o pano de fundo em que o ISIS cresceu e se
desenvolveu. Em parte, apenas devido à abordagem devastadora padrão: esmagar
aquilo de que você não gosta.
Em
2003, os EUA e a Grã-Bretanha invadiram o Iraque, um crime grave. A invasão foi
devastadora. O Iraque já havia sido virtualmente destruído, em primeiro lugar
pela década de guerra com o Irã — no qual, aliás, Bagdá foi apoiado por os
Washington — e depois pela década de sanções econômicas e políticas.
Tais
sanções foram descritas como “genocidas” pelos dois respeitados diplomatas
internacionais que os administravam e, que, por esse motivo, renunciaram em
protesto. Elas devastaram a sociedade civil, fortaleceram o ditador, obrigaram
a população a confiar nele para a sobrevivência. Essa é provavelmente a razão
pela qual ele não seguiu o caminho natural de todos os outros ditadores
que foram derrubados.
Por
fim, os EUA simplesmente decidiram atacar o país em 2003. O ataque é comparado
por muitos iraquianos à invasão mongol de mil anos atrás. Muito destrutiva.
Centenas de milhares de pessoas mortas, milhões de refugiados, milhões de
outras pessoas desalojadas, destruição da riqueza arqueológica e da riqueza do
país da época suméria.
Um dos efeitos da invasão foi instituir imediatamente
divisões sectárias. Parte do “brilhantismo” da força de invasão e de seu
diretor civil, Paul Bremer, foi separar os grupos — sunitas, xiitas e
curdos — uns dos outros, e instigá-los uns conta os outros.
Após alguns anos, houve um conflito sectário brutal, deflagrado pela
invasão.
Você
pode enxergar isso se olhar para Bagdá. Um mapa de Bagdá de, digamos, 2002,
revela uma cidade mista: sunitas e xiitas vivem nos mesmos bairros e casam
entre si. Na verdade, às vezes nem sabiam quem era sunita, e quem era xiita. É
como saber se seus amigos estão em um ou outro grupo protestante. Existiam
diferenças, mas não eram hostis.
Na
verdade, durante alguns anos ambos os lados diziam: nunca haverá conflitos
sunitas-xiitas; Estamos muito misturados na natureza de nossas vidas, nos
locais onde vivemos, e assim por diante. Em 2006, houve uma guerra feroz. Esse
conflito se espalhou para todo o Oriente Médio — hoje, cada vez mais dilacerado
por conflitos entre sunitas e xiitas.
A
dinâmica natural de um conflito como esse é que os elementos mais extremos
comecem a assumir o controle. Eles tinham raízes. Estão no mais importante
aliado dos EUA, a Arábia Saudita, com a qual Washington está seriamente
envolvidos desde a fundação do Estado nacional. É uma espécie de ditadura da
família. O motivo é sua uma enorme quantidade de petróleo.
Mesmo
do domínio dos EUA, a Grã-Bretanha sempre preferiu o islamismo radical ao
nacionalismo secular, no mundo árabe. E quando os EUA passaram a ser
hegemônicos no Oriente Médio, adotaram a mesma posição. O islamismo radical tem
seu centro na Arábia Saudita. É o estado islâmico mais extremista, mais
radical no mundo. Faz o Irã parecer um país tolerante e moderno, em comparação
— e os países seculares do Oriente Médio árabe ainda mais, é claro.
A
Arábia Saudita não é apenas dirigida por uma versão extremista do Islã, os
salafistas wahhabistas. É também um Estado missionário. Usa seus enormes
recursos petrolíferos para promulgar suas doutrinas em toda a região.
Estabelece escolas, mesquitas, clérigos, em todo o lugar, do Paquistão até o
Norte de África.
Uma
versão extremista do extremismo saudita foi assumida pelo ISIS. Este
grupo cresceu ideologicamente, portanto, a partir da forma mais extremista
do Islã — a versão da Arábia Saudita — e dos conflitos engendrados pela invasão
norte-americana, que quebraram o Iraque e já se espalharam por toda a região.
Isso é o que Fuller argumenta, em sua hipótese.
A
Arábia Saudita não só fornece o núcleo ideológico que levou ao extremismo
radical do ISIS (e de grupos semelhantes que estão surgindo em diversos
países), mas também o financia e lhe oferece apoio ideológico. Não é o governo
de Riad que o faz — mas sauditas e kwaitianos ricos. O ataque lançado à
região pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha é a fonte, onde tudo se
origina. Isso é o que significa dizer os EUA criaram ISIS.
Pode
ter bastante certeza de que, à medida que esses conflitos se desenvolvem, eles
se tornarão mais extremistas. Os grupos mais brutais tenderão a assumir o
controle. É o que acontece quando a violência se torna o meio de interação. É
quase automático: em favelas ou nos assuntos internacionais. As dinâmicas são
perfeitamente evidentes. É este o papel do ISIS vem. E se for destruído,
surgirá talvez algo ainda mais extremo.
Os
meios de comunicação são obedientes. No discurso de 10 de setembro de Obama,
ele citou dois países como supostas histórias de sucesso na estratégia de
contra-insurgência dos EUA: Somália e Iêmen
O
caso da Somália é particularmente horrendo. O Iêmen já é suficiente ruim, mas a
Somália é um país extremamente pobre. Não há tempo para contar toda a história.
Mas uma das grandes conquistas, um dos grandes orgulhos da política de
“contraterrorismo” da administração Bush foi que eles tinham conseguido fechar
uma instituição de caridade, a Barakat, que estaria alimentando o terrorismo na
Somália. Enorme comoção na imprensa. Foi para eles uma conquista real.
Alguns meses
mais tarde, os fatos começaram a vazar. A caridade não tinha absolutamente nada
a ver com o terrorismo na Somália. O episódio tinha a ver era com bancos,
comércio, assistência, hospitais. Atingir a Barakat era uma espécie de
tentativa de manter a Somália profundamente empobrecida e economicamente
golpeada. Existem algumas linhas sobre isso. Você pode ler em livros sobre
finanças internacionais.
Houve
um momento em que os chamados tribunais islâmicos, que eram chamados de uma
organização islâmica, tinham conseguido uma espécie de paz na Somália. Não era
um belo regime, mas pelo menos era pacífico e as pessoas o aceitavam mais ou
menos. Os EUA não iriam tolerar isso, então apoiaram uma invasão etíope para
destruí-la e transformar o lugar em um tumulto horrível. Essa é a grande
conquista.
O
Iêmen é uma história de horror própria.
Vamos
à disputa de Israel contra os palestinos. Há algum tempo, um jornalista
norte-americano, David Greene, conversou com um repórter em Gaza e fez o
seguinte comentário: “Ambos os lados sofreram enormes danos”. Pensei para
mim mesmo, isso significaria que Haifa e Tel Aviv foram reduzidas a escombros,
como Gaza foi? Você se lembra do comentário Jimmy Carter sobre o Vietnã?
Não só me lembro, como acho que fui a primeira pessoa a
comentar sobre isso, e provavelmente sou até hoje praticamente a única pessoa a
comentar sobre ele. Fizeram a Carter, o defensor dos direitos humanos, uma
pergunta leve, numa entrevista coletiva em 1977: você acha que temos alguma
responsabilidade de ajudar os vietnamitas depois da guerra? Ele respondeu que
não tínhamos nenhuma dívida com eles – “a destruição foi mútua”.
Isso
passou sem comentários. E foi melhor do que o seu sucessor. Alguns anos mais tarde,
George Bush I, o “estadista”, estava comentando sobre as responsabilidades
norte-americanas após a Guerra do Vietnã, e disse: há um problema moral que
permanece. Os vietnamitas do norte não empregaram recursos suficientes para
entregar a nós os ossos dos pilotos americanos. Estes pilotos inocentes,
derrubados sobre Iowa pelo assassino vietnamita quando
estavam pulverizando colheitas, ou algo assim… Mas Bush disse: somos um
povo misericordioso, por isso vamos perdoá-los por isso e vamos permitir-lhes entrar
em um mundo civilizado…
O que significava: vamos permitir que eles entrem nas
relações comerciais e assim por diante, o que, naturalmente, nós barramos, se
eles pararem o que estão fazendo e dedicarem recursos suficientes para superar
este crime pós Guerra do Vietnã. Sem comentários.
Uma das coisas que as autoridades israelenses continuam
trazendo à tona, e é repetido aqui na mídia corporativa, ad nauseam, é o estatuto do
Hamas. Eles não aceitam a existência do Estado de Israel, querem tirá-lo do mapa.
Você tem alguma informação sobre a carta e seus antecedentes.
A carta foi produzida por, aparentemente, um grupo de
pessoas, talvez dois ou três, em 1988, numa altura em que Gaza estava sob forte
ataque israelense. Você se lembra de ordens de Yitzhak Rabin. Foi um levante fundamentalmente
não-violento, ao qual Israel reagiu de modo muito violentamo, matando líderes,
torturando, quebrando ossos, de acordo com as ordens de Rabin, e assim por
diante. E bem no meio de tudo isso, um número muito pequeno de pessoas saiu com
o que chamaram de um estatuto do Hamas.
Ninguém
prestou atenção a ele desde então. Era um documento terrível. Mas desde então,
as únicas pessoas que chamaram a atenção para ele foram a inteligência
israelense e a mídia norte-americana. Ninguém mais se preocupa com isso. Khaled
Mashal, o líder político de Gaza anos atrás, disse: olha, é passado, “já era”.
Não tem nenhum significado. Mas isso não importa. Porque é propaganda valiosa
para Telaviv.
Há
também o fato de que, mesmo não sendo chamados de “estatuto”, há princípios
fundadores da coalizão de governo em Israel. Nesse caso, não se trata de um
pequeno grupo de pessoas, que estão sob ataque, mas da coalizão governista, o Likud.
O núcleo ideológico do Likud é o Herut, de Menachem Begin. Eles sim têm
documentos fundadores. Seus documentos fundadores dizem que Jordânia de hoje
faz parte da terra de Israel; Israel nunca renunciará ao seu direito à terra da
Jordânia. O que está agora chamado Jordânia eles chamam as terras históricas de
Israel. Eles nunca renunciaram a isso.
O
Likud, partido do governo, tem um programa eleitoral – foi enunciado em
1999 e nunca revogado, é o mesmo hoje. Diz explicitamente que nunca haverá um
Estado palestino a oeste do Rio Jordão. Em outras palavras, “estamos
empenhados, por princípio, na destruição da Palestina”. E não são
apenas palavras. Os governantes de Israel agem dia a dia para implementá-las.
Há
uma história interessante sobre a chamada Carta da Organização pela Libertação
da Palestina, a OLP. Por volta de 1970, o ex-chefe da inteligência militar
israelense, Yehoshafat Harkabi, publicou um artigo em uma das principais
revistas de Israel em que trouxe à luz algo chamado de “Carta da OLP” ou algo
semelhante. Ninguém nunca tinha ouvido falar dela, ninguém estava prestando
atenção nela.
E
a carta diz: nosso objetivo é a nossa terra, vamos assumi-la. Na verdade, não
era diferentemente das alegações do Herut, exceto o lugar de origem. Isto se
tornou instantaneamente uma questão enorme em toda a mídia. Foi chamada de “A
aliança OLP”. “A aliança OLP” planeja destruir Israel. Ninguém sabia nada sobre
isso, mas repentinamente tornou-se uma questão importante.
Eu
conheci um ex-chefe da inteligência militar israelense, Harkabi, alguns anos
mais tarde. Era um moderado, aliás, um cara interessante. Tornou-se bastante
crítico da política israelense. Tivemos uma entrevista aqui no MIT. Eu lhe
perguntei: “Por que você trouxe à tona o documento, no instante em que pensavam
em revogá-lo?” Ele olhou para mim com o olhar vazio, que você aprende a
reconhecer quando você está falando com fantasmas. Eles são treinados para
fingir que não entendem o que você está falando, embora entendam perfeitamente.
Ele disse: “Oh, eu nunca ouvi isso”. É algo além do
concebível. É impossível que o chefe da inteligência militar israelense não
saiba o que sei por ter lido trechos de imprensa árabe em Beirute. É claro
que ele sabia.
Existe
todo tipo de motivos para acreditar que decidiu trazer à tona precisamente
porque reconheceu — ou seja, a inteligência israelense reconheceu — que seria
uma peça útil de propaganda e é melhor tentar garantir que os palestinos a
mantenham. É lógico que se nós os atacamos, eles dirãop: nós não vamos revogar
nosso estatuto sob pressão. É o que está acontecendo com o estatuto do
Hamas.
Hoje é
impossível documentar isso, por uma razão simples. Os documentos estavam todos
nos escritórios da OLP em Beirute. E quando Israel invadiu Beirute, roubaram
todos os arquivos. Presumo que devem tê-los em algum lugar, mas ninguém vai ter
acesso a eles.
O que explica a unanimidade quase absoluta do Congresso
dos EUA em apoio Israel? Mesmo Elizabeth Warren, o senadora democrata altamente
elogiada de Massachusetts, votou a favor desta resolução sobre a auto-defesa.
Ela provavelmente não sabe nada sobre o Oriente Médio.
Acho que isso é bastante óbvio. Tome as armas dos EUA pré-posicionadas em
Israel para serem usadas em possíveis ações militares na região. Isso é um
pequeno pedaço de uma aliança militar e de inteligência muito próxima, que
remonta a décadas. Ela realmente decolou depois de 1967, embora já existisse
embrionariamente.
Os
militares e a inteligência dos EUA incluem Israel entre suas bases principais.
Na verdade, uma das revelações mais interessantes do WikiLeaks foi a relação
dos centros considerados estratégicos pelo Pentágono, ao redor do mundo —
aqueles que serão defendidos a todo custo. Um deles é uma grande instalação
militar, algumas quilômetros distante Haifa: as indústrias militares Rafael.
Muita
tecnologia drone foi desenvolvida ali. Depois, a sede e
a gestão da Rafael foram mudadas para Washington, onde está o
dinheiro. Isso é indicativo do tipo de relacionamento que existe. E vai
muito além. Os investidores norte-americanos estão num relação de amor com
Israel. Warren Buffet acaba de comprar uma empresa israelense por alguns bilhão
de dólares e anunciou que, fora os EUA, Israel é o melhor lugar para investir.
As grandes empresas, como a Intel e outras, estão investindo pesadamente em
Israel. É um cliente valioso: é estrategicamente localizado, complacente, faz o
que os EUA querem, está disponível para a repressão e violência. Os EUA têm
usado cada vez mais, como uma forma de contornar as restrições do Congresso e
de alguns setores da população sobre violência.
Tome,
por exemplo, o caso da Guatemala. O presidente Ronald Reagan, que foi
extremamente brutal e violento, bem como um terrível racista, quis fornecer
suporte direto para o ataque do Exército da Guatemala contra os índios maias —
algo literalmente genocida. Houve uma resolução do Congresso que bloqueou a
resolução. Então ele fez a ponte com seus clientes terroristas.
O
principal deles foi Israel — também participaram Taiwan e alguns outros. Israel
forneceu as armas para o Exército da Guatemala – até hoje eles usam armas
israelenses – providenciando treinamento para executarem o ataque
genocida. Esse é um dos seus serviços. Fizeram o mesmo na África do Sul.
Agora,
crianças e muitos outros refugiados estão fugindo de três países: El Salvador,
Honduras e Guatemala. Não da Nicarágua, tão pobre como Honduras. Existe uma
diferença? Sim. A Nicarágua é o único país da região que tinha, na década de 1980,
uma maneira de se defender contra as forças dos EUA – um exército. Nos outros
países o exército eram as forças terroristas, apoiadas e armadas pelos EUA, ou
por seu cliente israelense no pior dos casos. Então é isso que você tem.
Existe
uma grande quantidade de relatórios otimista dizendo que o fluxo de
crianças da América Central para os EUA diminuiu. Por quê? Porque nós
pressionamos o governo mexicano e lhe dissemos para usar a força e impedir
que as vítimas de nossa violência fujam para os EUA, tentando sobreviver.
Agora, os mexicanos fazem isso por nós, por isso há menos pessoas vindo para a
fronteira. É uma grande conquista humanitária de Obama…
Incidentalmente,
Honduras está na liderança. Por que Honduras? Porque em 2009, houve um golpe
militar no país. O presidente Zelaya, que estava começando a fazer alguns
movimentos em relação a reformas extremamente necessárias, foi derrubado e
expulso do país. Eu não vou passar os detalhes, mas os EUA, sob Obama,
foram um dos poucos países que reconheceu o regime golpista e a eleição que
ocorreu sob a sua égide. Honduras transformou-se em uma história de horror pior
do que era antes, batendo recordes no número de homicídios e violência.
Parece
ter surgido uma oportunidade para que a população curda do Iraque alcance algum
tipo de soberania. Isso se cruza, na verdade, com os interesses israelenses no
Iraque. Eles têm apoiado os curdos, ainda que de forma clandestina, mas é bem
sabido que Israel tem pressionado para a fragmentação do Iraque.
Eles
estão fazendo isso. E isso é um dos pontos em que há conflito entre a política
israelense e a norte-americana. As áreas curdas têm litoral. O governo do
Iraque bloqueou sua exportação de petróleo, seu único recurso, e, claro,
opõe-se a construção do Estado curdo. Os EUA até agora tem apoiado esta
atitude.
Clandestinamente,
há um fluxo de petróleo em algum nível da área curda na Turquia. Essa também é
uma relação muito complexa. Massoud Barzani, líder curdo iraquiano, visitou a
Turquia cerca de um ano atrás e fez alguns comentários bastante
impressionantes. Ele era bastante crítico da liderança dos curdos turcos e
estava claramente tentando estabelecer melhores relações com a Turquia, que tem
reprimido violentamente os curdos turcos.
A
maioria dos curdos no mundo está na Turquia. Você pode entender o porquê, do
ponto de vista deles. Essa é a única saída para o mundo exterior. Mas a Turquia
tem uma atitude dúbia a respeito. Um Curdistão independente, ao norte do
Iraque, bem próximo às áreas curdas da Turquia, ou nas áreas curdas da Síria,
poderia encorajar os esforços para autonomia no sudeste da Turquia, que é
fortemente curda. Os turcos têm lutado muito brutalmente contra isso desde que
a Turquia moderna surgiu, na década de 1920.
O
Curdistão conseguiu, de alguma forma, atrair petroleiros
transportar petróleo a partir de seu território. Esses navios estão
vagando em torno do Mediterrâneo. Nenhum país irá aceitá-los, a não ser,
provavelmente, Israel. Nós não podemos ter certeza, mas parece que estão
ficando com um pouco. Os petroleiros curdos estão buscando alguma forma de
descarregar seu petróleo no Mediterrâneo oriental. Isso não está acontecendo em
um volume que permita ao Curdistão funcionar, mesmo para pagar seus
funcionários.
Na
chamada capital curda, Erbil, há arranha-céus sendo erguidos, abunda
alguma riqueza. Mas é um tipo de sistema muito frágil, que não pode
sobreviver. O país está completamente cercado por regiões hostis.
Em nosso último livro, Power Systems, eu lhe pergunto, “Você tem
netos. Que tipo de mundo eles herdarão?”
O
mundo que estamos criando para nossos netos é ameaçador. Uma das maiores
preocupações é a relacionada ao aquecimento global.
Isso
não é brincadeira. Esta é a primeira vez na história da espécie humana que
temos de tomar decisões que irão determinar se haverá uma sobrevivência decente
para nossos netos. Isso nunca aconteceu antes. Já tomamos decisões que estão
acabando com espécies de todo o mundo em um nível fenomenal.
O
nível de destruição de espécies no mundo de hoje está acima do nível de 65
milhões de anos atrás, quando um enorme asteróide atingiu a Terra e teve
efeitos ecológicos horripilantes. Ele encerrou a era dos dinossauros, que foram
aniquilados. Ele deixou uma pequena abertura para os pequenos mamíferos, que
começaram a se desenvolver, e, finalmente, nós. A mesma coisa está acontecendo
agora — a diferença é que somos o asteroide. O que estamos fazendo
com o meio ambiente já está criando condições como as de 65 milhões anos atrás.
A imagem não é bonita.
Em setembro do ano passado, uma das principais agências de
monitoramentos científico internacional apresentou os dados sobre as emissões
de gases de efeito estufa para o ano mais recente em registro, 2013. Eles
atingiram níveis recordes: subiram mais de 2% para além do ano anterior. Nos
EUA subiram ainda mais alto, quase 3%. No mesmo mês, o Journal of the
American Medical Association saiu
com um estudo sobre o número de dias super quentes previstos para Nova
York, durante as próximas décadas. Estes dias vão triplicar — e os efeitos
serão muito piores no Sul do planeta. Coincide com o aumento
previto previsto do nível do mar, que vai colocar uma grande parte de
Boston debaixo da água. Sem falar no litoral plano Bangladesh, onde centenas
de milhões de pessoas vivem, mas que serão desalojas.
Tudo
isso é iminente. E neste exato momento a lógica das nossas instituições é
conduzir o processo para frente. A Exxon Mobil, que é o maior produtor de
energia, anunciou – e você realmente não pode criticá-los por isso, pois esta é
a natureza do sistema capitalista, a sua lógica – que eles está direcionando
todos os seus esforços para prospectar combustíveis fósseis, porque é
rentável. Na verdade, isso é exatamente o que eles deveriam estar fazendo, no
quadro institucional em que vivemos. Eles deveriam buscar lucros. E se isso
elimina a possibilidade de uma vida digna para os netos, não é seu problema.
A Chevron, outra
grande empresa de energia, tem um pequeno programa sustentável,
principalmente por razões de relações públicas, mas estava indo razoavelmente
bem, chegou a ser realmente rentável. Eles simplesmente encerraram os programas
sustentáveis, porque os combustíveis fósseis são muito mais rentáveis.
Nos
EUA, agora há perfuração em todo o lugar. Mas há um lugar onde foi um pouco
limitado, terras federais. Lobbies de energia estão queixando-se amargamente de
que Obama cortou o acesso a terras federais. O Departamento de Interior
apresentou as estatísticas. É o oposto. A perfuração de petróleo em terras
federais tem aumentado constantemente sob Obama. O que tem diminuído é de
perfuração no mar.
Mas isso é uma reação ao desastre da British Petroleum no Golfo do
México. Logo depois do desastre, a reação imediata foi a recuar. Mesmo as
empresas de energia recuaram da perfuração em águas profundas. Os lobbies estão
apresentando estes dados em conjundo — mas se você olhar para a perfuração em
terra, ela só aumenta. Há muito poucas restrições. Essas tendências são muito
perigosas, e você pode prever que tipo de mundo haverá para os seus netos.
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