PML: NOVO PAPEL DE AÉCIO É DE COVEIRO DA DEMOCRACIA
Ao
anunciar projeto para cassar o registro de partidos que recebem propina de
empresas privadas, Aécio Neves não consegue esconder qual é a etapa final da
Operação Lava Jato — a cassação do registro do Partido dos Trabalhadores. Não
que o pagamento de propinas ao PT já esteja provado ou seja fácil de demonstrar
pelas regras da Justiça, com respeito aos rituais jurídicos e direitos de
defesa. Simplesmente, pode ser a cena final do espetáculo Lava Jato, que o país
assiste sem que as instituições responsáveis pela defesa das garantias
individuais se manifestem, como se poderia imaginar.
Lembrando que é pura hipocrisia
sustentar que os pecados de que o PT tem sido acusado são uma exclusividade do
partido, a iniciativa representa o nível mais baixo da uma disputa política que
nos últimos dias se transformou num circo injusto e perigoso para a democracia.
Demonstra, ainda, a fragilidade dos compromissos de Aécio Neves com os valores
da democracia e da liberdade de expressão no país.
Trata-se de uma aberração tão grande que vale à pena aguardar,
desde já, pela reação de antigos comunistas que sofreram, na própria pele, a
repressão ao PCB, colocado na ilegalidade pelo TSE em 1947, em ambiente de
grande intolerância política e de criminalização das ideias de esquerda, conseguindo
voltar a luz do dia apenas em 1985. A indignação será prova de caráter. A
condescendência será demonstração de que também praticam o vale-tudo.
A cassação do registro de um partido costuma modificar o sistema
político de um país, altera a vida das pessoas e enfraquece uma democracia. Em
1947, o futuro deputado e governador de São Paulo Alberto Goldman tinha dez
anos de idade. (Vinte e três anos depois, a maquina clandestina do PCB,
escondida no MDB, lhe daria o primeiro mandato como parlamentar). Aloysio Nunes
Ferreira, senador por São Paulo, era pouco mais do que um bebê de dois anos.
Três décadas depois, ao deixar a guerrilha contra a ditadura, Aloysio
abrigava-se no PCB em seu exílio em Paris. Fazia parte do grupo de jornalistas
do partido que, sob direção de Armênio Guedes — 29 anos quando o registro do
PCB foi cassado — escrevia o jornal Voz Operária. Luiz Carlos Prestes, o mais
importante líder comunista do país, tinha 49 anos quando o PCB perdeu o
registro. Deixou o partido em 1984, um ano antes dele ser legalizado.
É sempre bom recordar que, com
as regras atuais de financiamento de campanha, nenhum partido político
brasileiro é capaz de competir de verdade pelo poder de Estado,num país com 100
milhões de eleitores, sem contar com recursos de empresas privadas para pagar
as despesas de uma eleição. É a regra do jogo.
Em nenhuma parte do mundo as
contribuições em dinheiro grosso envolvem casos de filantropia eleitoral. São
um investimento, um toma lá dá cá aberto, descarado, legal. Funciona, aqui, a
regra da conveniencia: dinheiro para minha campana é contribuição política; na
dos adversários, é propina.
Por exemplo: nos EUA, as verbas
privadas de campanha servem para sustentar a industria de armas, que permite às
famílias colecionar submetralhadoras em casa. Também garantem a preservação do
sistema privado de saúde. Os lobistas privados ainda são capazes de financiar
contra-campanhas para impedir a eleição de um adversário — apenas para ficarem
livre de um político do indesejado no Capitólio.
No Brasil, vive-se um sistema
idêntico, ressalvando as diferenças históricas entre os dois países. A presença
do caixa 2 no financiamento das campanhas brasileiras não é uma invenção do
sistema eleitoral, mas um traço típico de um país onde uma Receita frágil é o
berço histórico de uma sonegação forte, criando uma zona de sombra que se vê em
toda parte, inclusive na política. Por essa razão, os escandalos se assemelham
e se misturam.
O chamado mensalão do PT foi
vizinho do mensalão PSDB-MG. As denúncias sobre a Petrobras que envolvem o
Partido Popular, o PMDB e o Partido dos Trabalhadores são simultâneas às
acusações envolvendo o próprio Aécio Neves no desvio de Furnas — e surgiram
depois das acusações de Paulo Francis envolvendo contas de diretores da mesma Petrobras
na Suiça. Poucas vezes se teve notícia de um esquema tão antigo, permanente e
milionário como a dos metrôs tucanos de São Paulo. E é claro que se pode
encontrar algo semelhante em outras administrações pelo país.
Os fatos não mudam — apenas o
que se faz com eles. Foi assim na AP 470, que mandou petistas e seus aliados
para a cadeia, enquanto o mensalão PSDB-MG foi cozinhado em banho maria tão
lento que até agora não se tem notícia de nenhuma condenação definitiva, embora
o caso seja até mais antigo.
É assim no metrô paulista,
conhecido e identificado na Suiça — mas que não incomoda ninguém, não produz
cenas de indignação, nem gera uma, umazinha só, prisão preventiva para que os
acusados façam delações premiadas. (Sou contra as prisões preventivas abusivas,
em qualquer caso. Mas é sintomático que, essa forma brutal de investigação, que
diversos juristas comparam a tortura, tenha sido um instrumento exlcusivo na
Lava Jato, numa versão grotesca de tratamento diferenciado, e jamais tenha sido
empregada em outros casos que poderiam condenar politicos de outros governos).
O debate real envolve é
modificar a legislação em vigor, para impedir o acesso privilegiado de empresas
privadas ao poder político. É uma situação que distorce a célebre relação um
homem= 1 voto.
Mas isso não interessa nem ao PSDB nem a seus aliados e provoca
pânico no mundo conservador.
Isso porque o recursos privados são
apenas condenáveis, quando chegam aos adversários — fazem parte de seus
tradicionais instrumentos de dominação política.
Tornaram-se ainda mais inaceitáveis quando o crescimento do Partido
dos Trabalhadores junto a grandes camadas do eleitorado lhe deu acesso ao caixa
das empresas privadas que, antes disso, eram alimento exclusivo dos partidos
tradicionais. Ocorreu um desses milagres da democracia: quando todos têm acesso
ao dinheiro, este deixa de fazer grande diferença nas campanhas — o que é
inaceitável para quem, desde a proclamação da República, tinha monopolio
exclusivo.
Daí a necessidade do escândalo,
a aliança com o Ministério Público e os meios de comunicação.
Essa comunhão de interesses é
essencial para dar veracidade a uma investigação seletiva, que gera uma
cobertura seletiva que terá, por fim, um tratamento jurídico seletivo.
Permite sustentar uma ficção: a
visão de que, para uns, temos contribuições legais e cívicas. Em outro, propinas
corruptoras e recursos interesseiros. A investigação dirigida implica em colher
testemunhos e depoimentos de um lado só, construindo uma história que todos
sabem aonde vai terminar. Dá ares de legimitidade a uma situação ilegítima,
onde se sabe, desde sempre, que a punição de uns será acompanhada pela
impunidade de outros.
Na prática, a iniciativa de
Aécio Neves envergonharia políticos da geração de seu avô, que lutaram pela
democratização do Brasil.
Vários relatos da época informam que
Tancredo Neves fundou a Nova República com auxílio de um imenso caixa de
campanha reunido por grandes empresários e banqueiros. Nunca se achou estivesse
cometendo algum tipo de crime. Era apenas a forma possível de fazer política
nas circunstâncias de um país que, nesse aspecto, pouco se modificaram ao longo
dos anos. De uma forma ou de centra, esse esquema sempre interessou as forças
que disputavam o poder e o PT foi o último a entrar para o clube.
O que também permaneceu, de lá
para cá, foi a vocação autoritária do conservadorismo brasileiro, pronta a se
manifestar em caso de necessidade, usando de qualquer pretexto.
Em maio de 1947, o TSE aprovou
a cassação do registro do Partido Comunista do Brasil, que tinha uma
respeitável bancada de 14 deputados federais, na época.
A medida contrariava os quatro
casos que previam o fechamento de partidos políticos no país, o que levou o
juiz-relator Sá Filho a recusar o pedido de cancelamento com um argumento
político: “no horizonte da longa estrada percorrida se divisa nos dias recentes
da história dos povos que o desaparecimento do partido comunista dos quadros
legais coincide com o eclipse da democracia.”
Embora outros ministros tenham
apoiado o relator, o PCB foi colocado na ilegalidade pelo TSE. Prevaleceu o
voto do ministro Candido Mesquita da Cunha Lobo. Ainda que o debate tivesse
sido iniciado pela denúncia das ligações dos comunistas com a antiga União
Soviética, que nunca foram demonstradas nos quatro casos previstos em lei, a
leitura do voto vencedor mostra que o importante, no caso, era a questão
política, num ambiente politicamente envenenado, no qual não faltavam
pronunciamentos de militares, tanto da geração do Estado Novo, como aqueles que
anos depois estariam no golpe de 1964, como um certo coronel Castelo Branco. “Vitoriosa
na luta contra o totalitarismo, não pode a Democracia ficar indefesa diante de
outros perigos,” disse Cunha Lobo, no voto que deixou o Partido Comunista de
1947 até o início da Nova República. Pouco depois, os comunistas quiseram criar
uma nova legenda, o Partido Popular Progressista. O recurso foi rejeitado.
Dois anos depois, o mesmo TSE julgou um pedido de cassação do
registro do Partido de Representação Popular. Era o novo nome dos
integralistas, a versão brasileira do fascismo que, em seus tempos mais
desinibidos, abrigava até uma corrente nazista, inspirada em Adolf Hitler.
Como se pode imaginar, os
fascistas ganharam e foram autorizados a funcionar legalmente. Vez por outra,
até lançavam seu lider Plínio Salgado como a presidente da República.
O ministro Djalma da Cunha
Mello, autor do voto vencedor, não perdeu a oportunidade de bater no PCB em sua
argumentação, embora o caso dos comunistas não estivesse mais em julgamento.
Definiu o PCB como ” uma ponta de lança da ação sabotadora do Kremlin, do
imperialismo stalinista, com todo seu cortejo de intolerância, violência e
desumanização.”
Referindo-se aos integralistas,
o ministro até admite um histórico de “intolerância, disciplina exorbitante,
acentuado pendor para o regime discricionário.” Mas o ministro ressalvou:
“resta acentuar que o Partido de Representaçãio popular, por seus estatutos,
programa de açãoi, vem se mostrando até agora digno do ‘toque de reunir da
sensatez’com que a nação convocou todas as agremiações para que viessem cuidar
dos destinos do país; vem revelando conduta escorreita em face do exibido pela
Constituição de 1946 e mais leis em vigor.”
E foi assim, perseguindo
comunistas e protegendo fascistas, que se fez nossa democracia seletiva. O
plano é voltar a ela?
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