Doutor Janot, veja como seus meninos abriram as portas do inferno
Autor: Fernando Brito
É curioso como, de alguma forma, vivemos a
tal “ditadura” que a direita alucinadamente aponta existir no Brasil.
Está
à solta na mídia o mais desavergonhado macartismo já visto desde os tempos
do “dedodurismo” que marcou os primeiros anos da ditadura militar.
E,
legitimado por ele, a criação da onipotência policial .
A
Polícia Federal, elevada à condição de altar de santos pela mídia, força o
Ministério Público e negocia com o Congresso – especialmente com os
parlamentares citados na própria Lava-Jato, uma mudança na Constituição que a
torne “independente” do poder legítimo, aquele que é eleito.
Os
delegados chegam ao ponto de “peitar” publicamente o Procurador-Geral da
República e o Supremo Tribunal Federal, ao divulgarem nota em que
“manifestam preocupação com os prejuízos à investigação criminal e o atraso de
diligências em cerca de nove inquéritos da operação Lava Jato, que tramitam no
STF, os quais estão muito aquém daqueles em andamento na Justiça Federal do
Paraná”.
Delegado
de polícia não manda em inquérito judicial, cumpre diligências que lhes são
determinadas pelo Ministério Público ou pelo Ministro-relator.
Mas o
presidente da Associação dos Delegados é ameaçadoramente explícito ao Estadão: “A Polícia Federal quer
trabalhar. Se o Supremo entender que tem que ser exclusivamente do jeito
que o procurador-geral quer, a PF não assume a responsabilidade nem os riscos
dos resultados. Se a PF não tiver como contribuir na forma como entender mais
adequada e se o procurador-geral quiser assumir integralmente a
responsabilidade, paciência.”
Mais
afrontoso, impossível.
O
Ministério Público, a esta altura, deveria estar vendo o que gerou a sua
tolerância com a formação de uma cumplicidade total com a formação de um núcleo
promíscuo de delegados, procuradores e um juiz que se arroga jurisdição
sobre todos os fatos que desejar, em qualquer ponto do país e que não pode
ser contestado, sob pena de execrar-se perante a opinião pública qualquer um
que o contrarie.
As
tragédias da democracia ocorrem assim: em nome da moralidade e da ordem, a vida
de uma nação começa a ser dominada pela histeria policialesca, que há quase 50
anos fez Stanislaw Ponte Preta começar assim o seu “Festival da Besteira que
Assola o País”, o imortal Febeapá.
“É difícil ao historiador precisar o dia em
que o Festival de Besteira começou a assolar o País. Pouco depois da
“redentora”, cocorocas de diversas classes sociais e algumas autoridades que
geralmente se dizem “otoridades”, sentindo a oportunidade de aparecer, já que a
“redentora”, entre outras coisas, incentivou a prática do dedurismo (corruptela
do dedodurismo, isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o
próximo enfim, como corrupto ou subversivo – alguns apontavam dois dedos duros
para ambas as coisas) , iniciaram essa feia prática, advindo daí cada besteira
que eu vou te contar”
O
Estado Policial não é uma ferramenta da polícia, é da política.
A
descrição do macartismo que Philip Roth faz, em seu romance “Casei com um
Comunista” (Cia das Letras), é o mais duro retrato disso.
“O negócio de McCarthy, na verdade, nunca foi
a perseguição de comunistas; se ninguém sabia, disse, ele sabia. A virtude dos
julgamentos-espetáculo da cruzada patriótica de McCarthy era simplesmente a
forma teatralizada. Ter câmaras voltadas para aquilo apenas lhe conferia a
falsa autenticidade da vida real. McCarthy compreendeu melhor do que qualquer
político americano anterior a ele que as pessoas cujo trabalho era legislar
podiam fazer muito mais em benefício de si mesmas se representassem um
espetáculo; McCarthy compreendeu o valor de entretenimento da desgraça e
aprendeu como alimentar as delícias da paranoia. Ele nos levou de volta a
nossas origens, de volta ao século XVII e a nossos antepassados. Foi assim que
o país começou: a desgraça moral como entretenimento público. McCarthy era um
empresários dos espetáculos e, quanto mais desvairados os pontos de vista,
tanto mais ofensivas as acusações, maior a desorientação e melhor a diversão
para todo mundo.“
A
propósito: de homem mais temido dos EUA, Joseph McCarty morreu desacreditado.
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