Inês Nassif: O golpe de mão do juiz Moro contra o PT
O juiz Sérgio Moro comanda a Operação Lava Jato
Não é banal o movimento que fazem a Justiça e o
Ministério Público paranaense para inviabilizar um partido político nacional, o
PT, ou qualquer outro que venham a botar no mesmo pacote – de preferência
pequenos e ligados ao governo – para fingir que essa decisão não é uma
perseguição ao partido do ex-presidente Lula, que venceu as eleições dos
tucanos Alckmin e Serra, e da presidenta Dilma Rousseff, que ganhou dos tucanos
Serra e Aécio.
Por Maria Inês Nassif*, publicado na Carta Maior
Isso faz parte de uma estratégia de
intimidação tão assustadora que transfere para o aparelho judicial de um Estado
que sequer tem relevância na política nacional as decisões sobre o futuro da
política nacional e sobre a legitimidade do voto do eleitor brasileiro; e que
dá a uma decisão judicial de primeira instância o direito de proscrever
partidos políticos.
Nem nas
ditaduras brasileiras isso aconteceu. Os partidos foram proscritos por atos
federais. O PCB, por exemplo, foi colocado na ilegalidade em 1927, durante o
estado de sítio decretado pelo presidente Epitácio Pessoa. Em 1966, todos os
partidos brasileiros foram extintos por um ato institucional da ditadura militar
iniciada em março de 1964. Somente em 1946 a Justiça tomou a decisão de tirar
uma legenda do quadro partidário, o mesmo PCB, sob o argumento de que ela não
professava a democracia. Ainda assim, a decisão partiu de uma instância máxima
de Justiça, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O absurdo
jurídico de colocar um partido na ilegalidade pode ocorrer se o Ministério
Público do Paraná pedir o indiciamento do PT, a pretexto de participação na
Operação Lava Jato, e o juiz Sérgio Moro condenar o partido. Segundo matéria
publicada pela Folha de S. Paulo, procuradores preparam a originalíssima peça,
que respaldaria uma decisão judicial destinada a proscrever o PT. O instrumento
da inviabilização do partido seria a aplicação de uma multa próxima dos R$ 200
milhões que um dos delatores da Operação diz que o partido recebeu de propina –
e que, sem provas, nas mãos de qualquer procurador ou juiz minimamente neutros,
seria apenas uma palavra, a do delator, contra a outra, a do delatado que nega
o crime.
Um golpe
de mão aplicado pela Justiça no quadro partidário brasileiro é, de fato, a
inovação que a pouco neutra justiça paranaense pode legar para o país inteiro.
Moro adora inovações, e segue os passos do inovador Joaquim Barbosa que, à
frente do chamado Caso Mensalão, no Supremo Tribunal Federal, deixou de ser
juiz e agiu como promotor, rasgou a Constituição, negou provas que inocentariam
alguns réus e pediu a condenação de outros tantos sem provas, com o beneplácito
do plenário da mais alta corte judiciária do país, com o aplauso da imprensa e
as loas da oposição.
Todas as
licenças poéticas do aparelho judicial paranaense, inclusive esta, vêm sendo
amparadas pelos partidos de oposição, acalentada pela mídia conservadora,
tolerada pelas instâncias superiores da Justiça e pelos órgãos de controle do
Judiciário e do Ministério Público, a exemplo do que aconteceu no Mensalão. A
estratégia é a mesma: cria-se um clima político para legitimar desmandos
judiciários, e os desmandos do Ministério Público ou da Polícia Federal são
sistematicamente legitimados porque vêm respaldados em decisões judiciais. É
uma roda-viva onde quem perde é sempre o futuro. Porque, no futuro, sabe-se lá
quem vai ser atingido por já legitimados desmandos judiciais que hoje vitimam o
PT. A articulação política entre PF, Ministério Público e a Justiça já é um
dado, e pode atingir no futuro outros inimigos políticos que forem escolhidos
por eles.
Resta aos democratas tentarem separar o que é
espuma, o que é avanço indevido sobre direitos democráticos, do que é
efetivamente justo. Essa é uma tarefa que fica muito difícil, porque o clima e
o senso comum agem intencionalmente contra. O Brasil tem caminhado por
sofismas, e Moro usa deles à perfeição. O clima de histeria criado contra o PT
desestimula as pessoas comuns de defenderem governos por elas eleitos, com base
no sofisma fincado num senso comum cevado pacientemente nos últimos anos, de
que o partido é corrupto, e quem o defende está defendendo a corrupção; de que
a Petrobras é de uso do petismo, e o petismo é corrupto, e por isso a Petrobras
tem que ser inviabilizada economicamente; de que os corruptos delatores se
tornam heróis se delatam o PT, mesmo não tendo credibilidade pessoal nem
provas; que a Justiça, para eliminar um partido político, pode usar de que
instrumento for, mesmo ao arrepio da lei, para prender e intimidar.
É tão
irracional a “sofismação” da realidade e a consolidação de sensos comuns que é
difícil entender por que, de repente, as pessoas tenham escolhido se destituir
do direito à inteligência. Cair na armadilha dos sensos comuns criados pelo
ódio impede a visão do óbvio. O tesoureiro do PT, João Vaccari, foi preso pelo
juiz Moro porque arrecadou dinheiro legal para o PT, vindo de empresas
implicadas na Operação Lava Jato. As empreiteiras que encheram os cofres do
partido de dinheiro doaram igualmente para partidos de oposição, na mesma
proporção. O raciocínio do juiz – segundo o qual dinheiro vindo de empresas
fornecedoras da Petrobras, mesmo legal, transforma-se em crime porque foram
conspurcados pela ação dessas empresas nas operações com a estatal – não vale
para os outros. Não existe a mínima neutralidade nessa decisão.
A
insanidade dos argumentos destinados a inibir a defesa do PT é outra coisa
própria desse clima, a prova de que o país surfa na crista da onda de comoção.
Por dois anos, desde a condenação de petistas no processo do Mensalão, criou-se
um clima coletivo de ridicularização ou de raiva daqueles que ponderaram contra
a ilegalidade de várias das decisões e condenações feitas pelo Supremo. O
julgamento do Mensalão é uma mácula que a Suprema Corte brasileira demorará a
se livrar. E a defesa que pessoas fizeram dos juízes que julgaram para atender
o público e a mídia é uma mácula que a democracia brasileira terá de lidar
daqui para a frente.
O juiz
Moro, aquele do Paraná, ganhou um lugar na história do grupo político a que
serve. Para a história do futuro, não terá deixado nenhuma contribuição
jurídica, pelo simples fato de que rasgou a Constituição. A mídia tradicional,
que ajudou a construir o clima duro que pesa sobre as nossas cabeças, deixará
para o futuro a história de reconstrução do udenismo – um futuro em que poucos
de seus veículos terão sobrevivido à hecatombe dos tempos modernos. A oposição
partidária, pouquíssimo orgânica, será história, dificilmente futuro. E
provavelmente isso também ocorrerá com as forças políticas levadas por essa
onda de insanidade.
Isso,
sim, será uma crise política com efeitos semelhantes ao de um tsunami.
*Jornalista e editora do
Jornal GGN
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