JÁ ERA TEMPO: UMA NOVE FRENTE DE ESQUERDA ESTÁ EM GESTAÇÃO PARA GARANTIR A MANUTENÇÃO DAS CONQUISTAS DOS ÚLTIMOS 12 ANOS
A campanha "O Petróleo É
Nosso", lançada há mais de 60 anos, uniu políticos, movimentos,
intelectuais e personalidades de diversas correntes e acabou vitoriosa graças a
essa variedade de integrantes. Seria possível repetir algo parecido hoje no Brasil
para enfrentar uma ofensiva conservadora que não se limita a pregar arepartição do pré-sal com companhias estrangeiras,
mas também o impeachment, a volta da ditadura, o retrocesso em direitos sociais
e trabalhistas? Há quem aposte que sim e
prepare o lançamento de uma reação por ora chamada de Frente Nacional Popular.
A Frente deverá ganhar vida em junho, a partir de um ato
público. Entre seus articuladores circula um esboço de manifesto. Embora o
objetivo principal seja o de resistir à onda conservadora, o documento elenca bandeira propositivas.
Prega-se a defesa da democracia e seu aprofundamento pela reforma política, o
fortalecimento da soberania nacional contra os efeitos da crise da Petrobras, a volta do crescimento
com distribuição de renda e sem arrocho fiscal, o combate às desigualdades e a
manutenção de direitos trabalhistas.
Um dos principais mentores é o
cientista político e ex-ministro Roberto Amaral, um dos fundadores do Partido Socialista
Brasileiro e colunista de CartaCapital. Para ele, assiste-se hoje no País a uma ofensiva da direita conservadora como
não se via desde o governo João Goulart, deposto pelo golpe de 1964. Tal
avanço, diz Amaral, ameaça conquistas sociais históricas e só pode ser detido
por uma união de forças que não se limite a partidos,
pois estes estão sob suspeita da sociedade, a começar pelo PT. “Diante da
emergência reacionária, os partidos estão atônitos, sem resposta política”,
afirma. “A saída é uma frente de massa. Até para defender reformas profundas
que nossos governos não tiveram forças sequer para tentar.”
A ideia começou a
germinar com inquietações surgidas logo depois da eleição presidencial de
outubro. O pedido do PSDB à Justiça Eleitoral de uma auditoria nos votos
obtidos por Dilma Rousseff provocou apreensões. Deu uma pista sobre o
tamanho e a gana do conservadorismo, mais tarde expressos com clareza em
passeatas pelo impeachment da presidenta e a favor da intervenção
militar. A apreensão aproximou intelectuais, políticos com e sem mandato,
sindicalistas, movimentos sociais e empresários, que começaram a se reunir a
partir de novembro, de forma discreta, no Rio de Janeiro, em São Paulo e
Brasília. E ganhou corpo durante um debate, em março, no Sindicato dos
Professores do Rio, do qual participaram Amaral, os ex-ministros José Gomes
Temporão e Luiz Dulci, o economista Theotonio dos Santos, o empresário Pedro
Celestino e uma série de acadêmicos.
Foi citada em público pela
primeira vez em abril, quando uma mesa-redonda no Clube de Engenharia, também
no Rio, discutia a possibilidade de a crise na Petrobras levar a uma invasão do
País por petroleiras e empreiteiras estrangeiras. O batismo provisório,
sugestão do líder de um famoso movimento social, despontou no dia seguinte, em
um debate semelhante ocorrido no sindicato paulista dos engenheiros.
Presidente do Clube de Engenharia e
mediador da mesa-redonda de abril, o empresário Francis Bogossian declara-se
“inteiramente de acordo com a ideia da Frente”. Foi por essa razão que ele
topou acolher debates sobre os rumos do País na entidade, condicionando apenas
que não fossem de caráter partidário. “Vemos nitidamente um movimento em prol
dos interesses estrangeiros”, avisa.
O caráter suprapartidário ficará nítido
caso se confirme a adesão do economista Luiz Carlos
Bresser-Pereira, ex-ministro de FHC, hoje crítico da oposição, e o jurista
Cláudio Lembo, ex-governador de São Paulo. Não é de hoje, os dois disparam
contra a insurgência reacionária. Segundo Bresser-Pereira, a distribuição de
renda nos governos Lula e Dilma produziu um ódio de classe contra o PT por
parte dos ricos e de uma “classe média que virou muito conservadora,
infelizmente”. Ele aponta o fim do pacto nacional-popular da era Lula. Lembo,
que esteve no debate de abril no sindicato dos engenheiros, repele o “Fora
Dilma” e os clamores em prol da volta dos militares ao poder. “Há uma coisa
diabólica acontecendo no Brasil”, resume.
Um dos combustíveis da
Frente, o desgaste do PT, é reconhecido até por petistas. Não por acaso o
ex-ministro e ex-governador Tarso Genro tornou-se um aliado de primeira hora da
proposta e tem se reunido com frequência com Amaral. “A Frente é fundamental
para neutralizar o antipetismo instrumentalizado por setores reacionários. Por
isso o PT não pode estar sozinho, tem de estar ao lado de outras forças
democráticas e populares”, considera o deputado Alessandro Molon, outro
participante das discussões.
O
papel mais importante do movimento, enxerga Molon, é enfrentar os retrocessos
da Câmara dos Deputados, que sob a regência do peemedebista Eduardo Cunha
adotou uma pauta marcadamente retrógrada, incluídas a terceirização total do
mercado de trabalho, a revogação do Estatuto do Desarmamento e a
constitucionalização das doações empresariais de campanha. “Os maiores riscos
de retrocesso hoje estão na Câmara. Há conquistas com as quais sonhamos, mas a
situação da Câmara é tão grave, que impedir retrocessos já será uma vitória.” A
proposta da Frente mostra, enfim, que uma ala progressista da sociedade decidiu
reagir.
Já era hora.
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