ZELOTES - CRIMES DA GRANFINAGEM NÃO SENSIBILIZAM JUSTIÇA E MÍDIA
Por André Barrocal,
na revista CartaCapital:
O
Ministério Público (MP) entrou com uma representação na Corregedoria do
Tribunal Regional Federal (TRF) da Primeira Região, sediado em Brasília, contra
o juiz responsável pela Operação Zelotes,
que investiga um bilionário esquema de anulação de dívidas
tributárias de grandes empresas. Para o MP, o juiz Ricardo Leite, da
10ª Vara Federal de Brasília, tem um histórico de segurar processos por muito
tempo e sem justificativas razoáveis, um comportamento que chama a atenção e
deveria ser examinado de perto.
Para procuradores de Justiça e policiais federais da Operação
Zelotes, Leite tomou uma série de decisões que atrapalharam as investigações.
Entre outras coisas, ele negou a prisão
temporária de 26 suspeitos de integrar o esquema, rejeitou o pedido
de bloqueio de bens de certos investigados e recusa-se a quebrar o sigilo do
processo. As prisões solicitadas, segundo os investigadores, eram necessárias
para tomar depoimentos sem que houvesse a oportunidade de os suspeitos
combinarem suas versões entre si, algo que agora já não se pode mais impedir.
O principal procurador da República na Operação Zelotes, Frederico Paiva,
acredita que o caso até agora não entusiasmou nem o Poder Judiciário nem a
mídia – ao contrário do que aconteceu com a Operação Lava Jato. Isso
dificultaria as investigações, já que estão na mira grandes e poderosas
empresas. “É preciso que a
corrupção seja combatida por todos. Os valores [da Zelotes] são
estratosféricos”. Suspeita-se de um desvio de até 19 bilhões de reais dos
cofres públicos.
Para o procurador, os escândalos de corrupção no Brasil só despertam interesse
quando há políticos no meio. “Quando atingem o poder econômico, não há a mesma
sensibilidade.” Em entrevista recente à TV Gazeta de São Paulo, o ex-governador
paulista Claudio Lembo disse que “o que aconteceu no Carf [o Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais] é gravíssimo, mas a imprensa não fala”. “Lá
está o núcleo da minoria branca fazendo corrupção efetiva”, disse. “Há um
conluio nacional de preservação de quem está dentro do Carf.”
Ricardo Leite deverá ser acionado também no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) prepara uma representação de teor parecido com
a do Ministério Público. Segundo ele, Leite é responsável por processos antigos
contra personagens da Zelotes que jamais foram sequer chamados a depor. “Este
juiz atrapalha o combate à corrupção e ao crime do colarinho branco no Brasil”,
afirmou Pimenta.
Apesar das dificuldades, Frederico Paiva disse que o Ministério Público
apresentará à Justiça, entre junho e julho, denúncias por corrupção e lavagem
de dinheiro contra investigados na Zelotes.
Deflagrada em março, a Operação desbaratou um esquema de fraude que desfalcava
os cofres públicos no Carf. O conselho é um órgão do Ministério da Fazenda em
que, sem passar pela Justiça, os contribuintes podem contestar tributos
cobrados pela Receita Federal. É formado por 216 conselheiros, metade indicada
pela Fazenda e metade pelos contribuintes. As indicações privadas partiam
basicamente das três confederações nacionais patronais: CNI (indústria), CNC
(comércio) e CNA (agricultura).
O esquema era “sofisticado”, segundo explicou Paiva durante audiência pública
na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira 13. Havia conselheiros dispostos a
manipular julgamentos e empresas de fachada a fazer a intermediação deles com
contribuintes interessados em fugir da taxação da Receita. Os contatos entre os
integrantes do esquema raramente eram feitos por telefone, uma forma de evitar
deixar rastros. O pagamento da propina pelas grandes empresas aos conselheiros
e intermediários ocorria por meio de um emaranhado de contas bancárias, outra
forma de tentar não deixar pistas.
Entre as empresas suspeitas de integrarem o esquema de desfalque do Erário
estão Santander, Bradesco, Opportunity, RBS (afiliada da Rede Globo), Camargo
Correa, Safra, Gerdau, entre outros.
Atualmente, os investigadores estão passando um pente-fino em 74 processos do
Carf. São casos de 2005 a 2013. Juntos, somam 19 bilhões que podem ter sido
sonegados. Segundo Paiva, há indícios mais veementes de irregularidades em
processos a somar 5 bilhões de reais e envolver de 15 a 20 empresas. De acordo
com ele, todos os processos suspeitos envolvem grandes empresas.
Logo após a Operação Zelotes, o governo resolveu remodelar o Carf, um trabalho
ainda em andamento. Uma das mudanças já definidas foi a instituição de
gratificação para os conselheiros. Eles trabalhavam de graça, circunstância que
poderia deixá-los mais inclinados a se corromper.
A gratificação foi instituída por um decreto de Dilma Rousseff. O deputado
Bruno Covas (PSDB-SP) apresentou um decreto legislativo na Câmara a propor a
anulação do decreto de Dilma, sob a justificativa de que o governo está em
tempos de ajuste fiscal e não deveria criar gastos novos. “O modelo atual do
Carf é propício à corrupção e ao tráfico de influência”, afirmou Paiva.
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