A Corrupção no Brasil em tempos de generais no poder
Na atualidade,
os áulicos da direita, promovem raivosa cruzada contra as forças progressistas
e, patrocinados pela mídia conservadora, trombeteiam que o período ditatorial
fora pródigo no combate à corrupção e aos corruptos. Acontece que, com os
poderes Legislativos e Judiciários aviltados como instrumentos de fiscalização
e punição, a perversão dos recursos públicos e as transgressões do poder
aumentaram exponencialmente no período mais sangrento do Regime Militar.
É
mais que sabido que a malversação dos recursos que pertencem a toda a sociedade
não decorre apenas de graves falhas individuais, mas, sobretudo, têm em suas
raízes as causas de seu tempo e os aspectos políticos, econômicos, sociais,
culturais e ideológicos que demarcam e tipificam cada regime político. A
sangria e o desmazelo com o que é público, ou seja, de toda a sociedade, se
desenvolvem de acordo com as peculiaridades de cada regime e, fundamentalmente
estão ligados à quadra histórica dessas experiências.
No
país tupiniquim a corrupção sempre esteve presente e alcançou dimensões
gigantescas durante mais de vinte anos de Regime Militar, evento histórico
marcado pela censura, assassinatos, torturas, exílios, entrega das riquezas
nacionais e desaparecimentos forçados.
Mas
o alcance da corrupção também teve, em seus horizontes, aquilo que ensina a
historiadora Herloisa Starling, na medida em que ela “ (…) se inscreve na
natureza do regime militar também na sua associação com a tortura – o máximo de
corrupção de nossa natureza humana. A prática da tortura política não foi fruto
das ações incidentais de personalidades desequilibradas, e nessa constatação reside
o escândalo e a dor. A existência da tortura não surgiu na história desse
regime nem como algo que escapou ao controle, nem como efeito não controlado de
uma guerra que se desenrolou apenas nos porões da ditadura, em momentos
restritos. Ao se materializar sob a forma de política de Estado durante a
ditadura, em especial entre 1969 e 1977, a tortura se tornou inseparável da
corrupção. Uma se sustentava na outra. O regime militar elevou o torturador à
condição de intocável: promoções convencionais, gratificações salariais e até
recompensa pública foram garantidas aos integrantes do aparelho de repressão
política. Caso exemplar: a concessão da Medalha do Pacificador ao delegado
Sérgio Paranhos Fleury (1933-1979)”.
A
corrupção assegurou aos torturadores, além da cumplicidade, a legitimação de
seus resultados porque, para a tortura funcionar é decisivo que na máquina
judiciária existam servidores públicos dispostos a dar legalidade a processos
estapafúrdios, confissões falsas, laudos periciais forjados e autópsias
fraudadas.
Ainda,
na miríade da mais covarde das violências, nunca haveremos de esquecer o
financiamento de todo esse processo cruento, notadamente realizado por grandes
empresários, como Boillensen, sempre dispostos em fornecer dotações extra-orçamentárias
para que a máquina da repressão política estivesse sempre azeitada para
triturar opositores. Com base nesse tipo de financiamento é que surgiram o
fenômeno dos grupos de extermínio, como a Scuderia Le Coq, de São Paulo.
Um
dos aspectos para o agravamento da corrupção, seja na máquina de suplício
instalada, seja pela roubalheira — termo chulo que explica — foi à redoma
protetora sob a qual, os generais e seus aliados civis exerceram o poder no
Brasil.
O
fato é que as decisões mais importantes da nacionalidade e dos destinos de
todos os brasileiros passaram a ser de competência exclusivíssima de um seleto
grupo de militares, políticos, grandes empresários e burocratas que, com todos
os canais de respiração da vida democrática açodados, atuaram, também, para
transferir as riquezas produzidas pelos trabalhadores brasileiros para as mãos
de bem poucos, sejam eles nacionais ou estrangeiros.
Ocorre que a imprensa, mesmo os apoiadores de primeira
hora da quartelada de 64 como é o caso da Folha de
São Paulo, fora submetida à censura durante anos e, no momento em
que a ditadura experimentava seu período mais ufanista, cuja propaganda
revelava um crescimento econômico de 10% ao ano no curso do sanguinário governo
de Garrastazu Médici (1969-1974), desconfiar e fiscalizar os governantes,
exigir prestações de contas e indicar abusos na administração estatal era
considerado crime contra a ‘segurança nacional’, passível às mãos de febrentos
verdugos.
No
entanto, com a distensão política do regime no período do governo Geisel
(1974-1979), as ‘tenebrosas transações’, como ensina o samba libertário de
Chico Buarque de Holanda, vieram à tona e a opinião pública começou a perceber
qual o feitio dos dirigentes brasileiros de então. Porém, mesmo depois de
iniciado o processo de ‘abertura’ do governo Figueiredo (1979-1985), a
fiscalização social sobre o poder público permaneceu indubitavelmente limitada.
O
curso dos anos indicou que o Regime Militar promoveu um conjunto de reformas
nos poderes Legislativo e Judiciário no sentido de que tais esferas se
domesticassem e, inofensivas, jamais poderiam atuar enquanto instrumentos de
fiscalização ou mesmo promover a punição dos representantes do poder estatal ou
da iniciativa privada flagrados em atos lesivos aos interesses coletivos.
Não
obstante às crescentes denúncias, que estouraram a partir de 1974, o número de
pessoas punidas e de casos esclarecidos foi absolutamente pequeno, assim como
nenhum integrante do alto escalão do poder fora punido, mesmo diante de
escândalos de alta-voltagem como o da Capemi (Caixa de Pecúlio dos Militares),
que ganhou concorrência suspeita para a exploração de madeiras nobres no Pará,
além dos desvios da ponte Rio-Nitéroi e da Rodovia Transamazônica.
Importante
indicador das medidas ‘defensivas’ estabelecidas pelo regime despótico, que
ensejaram tranqüila desenvoltura de seus próceres pelo submundo das negociatas
e irregularidades administrativas é o número de requerimentos para a
constituição de Comissões Parlamentares de Inquérito encaminhados à mesa da
Câmara dos Deputados até 1968, crescentes, mas que, com a Reforma
Constitucional de outubro de 1969, promovida pela Junta Militar que sucedeu
Costa e Silva (1967-1969) determinou seriíssimas restrições aos instrumentos
legais de investigação parlamentar.
Além
disso, com a edição do Ato Institucional n° 5 (AI-5), em dezembro de 1968, o
Congresso sofreu inúmeras cassações contra parlamentares atuantes e dispostos,
mesmo nas limitadas condições da minoria oposicionista, em enfrentar o regime
tirano.
Assim,
depois de mais de duas décadas de intensa atividade investigativa, entre 1946
até 1968, a Câmara dos Deputados ficou os anos do ‘milagre brasileiro’
(1969-1972) sem instalar sequer uma CPI.
Somente
após 1975 é que a Câmara retoma, timidamente, seu papel investigativo,
sobretudo depois da vitória do MDB no pleito de 1974: uma CPI para apurar
irregularidades no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
Apenas
em 1980, entretanto, é que foi aprovada uma CPI requerida pela oposição, o
famoso caso Lutfalla, envolvendo o então governador paulista, Paulo Maluf. O
escândalo =- investigado pela Comissão Geral de Inquéritos (CGI), instrumento
criado pelo Poder
Executivo
— girava em torno de empréstimos realizados pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDE) as empresas de Maluf, em crise
falimentar.
O
embaraço principal para os mais estreludos generais era o fato de que aquele
ex-governador, reconhecidamente corrupto, se utilizava de enorme influência
junto aos militares para emplacar interesses obscuros.
As
obstruções governistas e as manobras regimentais, próprias da luta parlamentar,
não foram os únicos fatores de entrave ao pleno funcionamento das CPI’s, seja
no caso Lutfalla, seja em outros.
Em
alguns casos, quando militares foram convocados para prestar depoimentos, estes
se recusaram a dar qualquer informação relevante, como o ocorrido com o coronel
Raimundo Saraiva, que depôs na CPI da Dívida Externa de 1983.
O
caso, esquecido no curso de mais de trinta anos, indicava o envolvimento do ministro
Delfim Netto em transações irregulares com banqueiros franceses. Naqueles dias
o coronel Saraiva era embaixador do governo Geisel em Paris.
Em
outro caso, como o do general Newton Cruz, instado a dar esclarecimentos na CPI
da Capemi, lançou mão da legislação que o protegia e não foi depor.
O
Poder Judiciário que, em última instância poderia ter sido o instrumento de
controle social sobre o poder, os bens e o erário público também sofreu
limitações profundas, como foi à reforma do Judiciário de 1977, embutido no
chamado Pacote de Abril.
O
produto do intento, no essencial, fez concentrar a força do judiciário na
esfera federal.
O
Supremo Tribunal Federal (STF), cujos juízes são nomeados pela Presidência da
República aumentou seu poder em prejuízo dos tribunais estaduais e o Procurador
Geral da República, representante do Executivo junto ao Judiciário, ampliou as
suas atribuições.
Qual
resultado senão o açodamento do Judiciário e o aviltamento de suas funções? Em
última instância, o Pacote de Abril deu ao despotismo militar o poder de
interpretar as leis segundo suas conveniências.
Os
que conspiraram para depor o governo legítimo de João Goulart (1961-1964), com
o apoio a CIA através do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e do
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), assim o fizeram sob o discurso
de combater o comunismo e a corrupção. Ocorre que, os homens que tomaram o
poder em 1964, utilizaram-se de métodos terroristas para combater qualquer
resistência democrática, mas, na luta contra a corrupção, pouco ou nada
fizeram.
Referências
Bibliográficas:
AVRITZER; BIGNOTO, GUIMARAES, STARLING (Orgs) Corrupção
ensaios e críticas, Editora UFMG, 2008.
FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da ditadura militar. Rio de
Janeiro: Record, 2001.
GASPARI, Elio. Coleção As Ilusões Armadas. São Paulo: Companhia das Letras,
2002.
RIBEIRO, Renato Janine. A sociedade contra o social: o alto custo da vida
pública no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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