Há uma falácia cínica, ou uma obtusidade desumana, nos debates sobre as nomeações para o STF.
Dei
um giro no Twitter, em torno do caso Fachin, e fui bater em Míriam Leitão.
Ela dizia o seguinte: que o que a preocupava não eram o
voto e nem as ideias de Fachin, mas o “aparelhamento do STF”.
Estive na Globo, e sei quanto esta palavra é cara aos
irmãos Marinhos: “aparelhamento”.
Claro que essa preocupação só vale para o lado de lá.
Quando Aécio nomeia a irmã, o cunhado e os amigos, não é “aparelhamento”.
Quando FHC nomeia o genro, e depois demite quando este se
divorcia de sua filha, não é “aparelhamento”.
Quando Serra emprega a família de Soninha na administração
pública de São Paulo, não é “aparelhamento”.
Então Míriam estava apenas repetindo uma expressão que seus
patrões adoram empregar contra aqueles de quem não gostam.
No caso específico do STF, alguém reclamou de
“aparelhamento” quando FHC indicou Gilmar Mendes, que se tirar o paletó exporá
as plumas de tucano?
Há uma falácia cínica, ou uma obtusidade desumana, nos
debates sobre as nomeações para o STF.
Indica quem tem mais votos na eleição presidencial. É
assim. Isso se chama democracia.
Os eleitores delegam ao presidente eleito a escolha dos
ministros do STF. (Eduardo Cunha parece ter outras ideias, mas isso se chama
golpe.)
Tirando extremos, você pode dividir a sociedade em dois
grandes blocos: os progressistas e os conservadores.
Governos progressistas nomeiam juízes progressistas,
afinados com suas ideias básicas.
Governos conservadores optam por juízes conservadores.
Quem está no comando de tudo é o povo, que elege um
presidente conservador ou um presidente progressistas.
Nos Estados Unidos da Era Roosevelt, houve um debate em
torno da Suprema Corte que mesmerizou o país.
Medidas de cunho social de Roosevelt, em seus primeiros
tempos, no começo dos anos 1930, vinham sendo sistematicamente derrubadas pela
Suprema Corte.
Eram, aliás são, nove juízes, a maioria composta de
conservadores para os quais o New Deal de Roosevelt era coisa de comunista .
Roosevelt, irritado e temeroso de fracassar por conta da
Suprema Corte, tentou um golpe.
Ele
quis impor limite de idade para os juízes, então no cargo vitaliciamente.
Argumentava que a capacidade de julgar se perdia em boa parte quando o juiz
chegava à idade provecta.
Roosevelt acabou derrotado, mas seu carisma resolveu tudo.
Com seus quatro mandatos, ele pôde, ao longo dos anos, nomear juízes afinados
com seu perfil progressista.
O mesmo vale para o Brasil.
Os conservadores querem juízes conservadores no STF? Que
ganhem as eleições.
Aí poderão aparelhar a corte. Poderão, caso tenham votos
para tanto, montar um STF com doze Gilmares, juízes prontos a fazer coisas como
engavetar indefinidamente projetos como o que proíbe financiamento privado de
campanhas.
De resto, mesmo quem não entende de direito há de perceber,
com clareza, a diferença de estatura intelectual entre Fachin e aquele a quem
deve substituir, Joaquim Barbosa.
Antes de falar em “aparelhamento”, como fez Míriam Leitão,
é preciso olhar para as urnas.
São elas que, afinal, determinam a composição do STF.
O resto, como escreveu Shakespeare, é silêncio.
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