O ESCÂNDALO DA GLOBO CALOTEIRA VII - O caso de sonegação da Globo e o escândalo HSBC
O “endereço” da “Empire” nas Ilhas Virgens: empresa da Globo nunca funcionou aqui
Desde que estourou o escândalo da lista do HSBC em
Genebra, Suíça, a pergunta que não quer calar é: a Globo está lá? O jornalista
Fernando Rodrigues, do UOL, que recebeu uma cópia da relação através do ICIJ,
siga em inglês para Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, da
qual ele faz parte, pode vir a responder. Mas, como anunciou, não quer se
precipitar, para não correr o risco de expor algum correntista que tenha conta
legítima, ou seja, que não seja abastecida com dinheiro ilícito.
A suspeita de que a Globo faz parte do
elenco desses correntistas faz todo sentido. Segundo o ex-funcionário do HSBC
que vazou a relação, o banco se especializou em facilitar as coisas para
correntistas que queriam lugar seguro para esconder o dinheiro do imposto que
era sonegado no país de origem.
O coordenador do projeto que se seguiu
ao vazamento (SwissLeaks), Serge Michel, diz: “O que descobrimos nos documentos
do SwissLeaks é que o banco, para proteger ainda mais seus clientes, visto que
a Suíça já não oferecia as vantagens do passado, propôs a eles novas
modalidades offshore”. Michel cita as Ilhas Virgens Britânicas como um dos
locais preferidos dos sonegadores.
A Globo aportou lá, em 1999, com a
criação da Empire Investment Group Ltd., uma empresa que existe apenas no papel
e tinha como endereço uma caixa de correio, como comprovei quando estive no
país. No caso da empresa da Globo, a caixa número 3340 era dividida com a Ernst
& Young, a consultoria de negócios que deu suporte para a Globo abrir e
manter a companhia de papel.
Em 2013, o mesmo ICIJ trouxe a público
um relatório com detalhes de 130 mil contas em paraísos fiscais. O escândalo
ficou conhecido como Offshore Leaks.
A base de dados disponível no site oficial contém informações sobre dez
localidades, incluindo as Ilhas Virgens Britânicas, as Ilhas Cook e Singapura.
Nos dados relacionados ao Brasil,
aparece um correntista com apenas o registro do endereço, sem nome de pessoa
jurídica ou física, na avenida Atlântica, 2266, apartamento 302.
Cúmulo da coincidência: o prédio é
vizinho ao edifício onde Roberto Marinho tinha um tríplex em 2004, vendido ao
bicheiro Anísio Abrahão David, patrono da escola de samba Beija Flor.
Vizinho também do prédio onde mora a
funcionária da Receita Federal que fez desaparecer o processo em que os três
filhos de Roberto Marinho eram responsabilizados penalmente pela sonegação de
mais de R$ 615 milhões, em valores de dezembro de 2006.
O inacreditável é que, aparentemente, é coincidência
mesmo. Liguei para o apartamento 302 da avenida Atlântica 2266, e atendeu um
homem com sotaque estrangeiro que se apresentou como Joseph. Ele diz que ali
funciona a Norwell
do Brasil Ltda, uma empresa com negócios na Índia e no Quênia, segundo uma
página na internet.
Joseph, que não quis dizer o
sobrenome, ficou com o número do meu celular, e disse que o administrador
entraria em contato. Ainda não recebi o telefonema.
A Receita Federal também não respondeu
a um pedido de entrevista para explicar a situação da Globo em relação ao
Fisco. A explicação da assessoria de imprensa é que a Receita não comenta casos
de contribuintes, para proteger o sigilo fiscal.
Nem para dizer que providências a
Receita tomou no caso da acusação de sonegação? – questionei.
— Nem para isso, respondeu a assessora
Denise Naves.
A íntegra do processo de sonegação da
Globo se tornou conhecida quando o site O Cafezinho, de Miguel do Rosário,
obteve uma cópia e a colocou na internet.
Mas a Receita Federal remontou o
processo, como é correto no caso de autos desaparecidos, e deu sequência ao
trâmite determinado pelo auditor fiscal Alberto Zile, que recomendava a
denúncia por crime contra a ordem tributária cometido pelos irmãos Marinho?
O site da Receita informava até pouco tempo atrás que o
processo estava num trâmite bem demorado. Tinha começado em 2006 e, em 2014,
oito anos depois, o trâmite continuava, sem chegar a lugar nenhum.
O que sabemos sobre o desfecho do
processo é o que a Globo diz: em 2010, se beneficiando dos descontos do Refiz,
recolheu o DARF.
Mas cadê o DARF?
A Polícia Federal abriu e fechou o
inquérito um ano depois, num procedimento absolutamente sigiloso, sem mostrar o
DARF.
Graças ao vazamento do processo de
sonegação, sabe-se que a data de investigação da Receita coincide com o
desfecho de uma investigação na Suíça (sempre lá) que apurou corrupção na Fifa.
Em carta rogatória, o juiz de
instrução do cantão de Zug, da Confederação Helvética (o antigo nome da Suíça),
pediu ao Supremo Tribunal Federal que localizasse e interrogasse, na presença
de agentes suíços, os senhores Marcelo Campos Pinto e Fernando Viegas Rodrigues
Filho.
Pediu também que a justiça no Brasil
requisitasse documentos da TV Globo relacionados ao contrato de aquisição dos
direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002.
Marcelo Campos Pinto é quem representou
a TV Globo e uma de suas subsidiárias no Exterior, a Globo Overseas, na
assinatura do contrato com a intermediária da Fifa (ISL) para a compra dos
direitos da Copa.
Fernando Viegas Rodrigues Filho é um
dos destinatários de um comunicado do Banco Central à TV Globo, autorizando a
remessa de 221 milhões de dólares para a compra da Empire nas Ilhas Virgens
Britânicas.
Hoje se sabe que era um negócio de
mentirinha, para enganar o Fisco e sonegar impostos, mas à época o Banco
Central aceitou formalmente o argumento de que a remessa era para “fins de
investimento brasileiro no exterior”.
A realidade é que a própria Globo
tinha aberto a Empire nas Ilhas Virgens Britânicas, para que ela ficasse com os
direitos de transmissão da Copa. Ao simular a compra da empresa, trouxe os
direitos, sem recolher impostos no Brasil.
O então presidente do Supremo,
Maurício Corrêa, hoje falecido, atendeu ao pedido da justiça suíça. Os papéis
da TV Globo e os depoimentos dos dois executivos foram enviados para o cantão
de Zug em janeiro de 2005.
Um dos advogados relacionados no caso
para defender a Globo e os executivos é Rodrigo Ferrante Perez, filho de uma
das mais conhecidas autoras de novela da TV Globo, Glória Perez.
(Glória Perez também é moradora do
prédio onde Roberto Marinho tinha o tríplex, hoje em nome do bicheiro Anísio da
Beija Flor, naquele miolinho já famoso da avenida Atlântica).
Procurei Rodrigo Perez, mas ele disse
não se lembrar dessa ação. Ficou de levantar informações e entrar em contato.
Alguns meses depois que a documentação
seguir para Zug, na Suíça, a Receita Federal iniciou a auditoria na Globo, que
terminou com a conclusão de que a TV cometeu fraude e simulação, com o objetivo
de não pagar impostos no Brasil.
Na mesma época, tinha início o
inquérito do mensalão, que terminou com parte da cúpula do PT na cadeia, sete
anos mais tarde.
A denúncia do procurador-geral Antônio
Fernando Barros e Silva de Souza diz que, além das operações ilícitas
envolvendo o PT e o Banco Rural, a investigação revelou práticas fraudulentas
envolvendo o mesmo banco e dezesseis pessoas físicas e jurídicas, entre elas a
Globo Comunicações e Participações.
Não é novidade que esse fato passou
longe dos debates dos ministros do Supremo Tribunal Federal, durante o
julgamento do mensalão. Mas chega a ser escandaloso que a investigação, contida
num inquérito paralelo no Supremo, seja mantida até hoje sob mais absoluto
sigilo.
Quem prática fraude bancária, como
denunciou o Ministério Público Federal nesse caso do mensalão, ou é apanhada na
sonegação, como ficou comprovado no processo da Receita, pode ter seu nome
relacionado em qualquer lista de correntistas suspeitos.
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