Os 8.667 de Pindorama - Longe de combater a corrupção, a imprensa brasileira é parte dela
O Brasil detém um honroso quarto lugar no campeonato mundial de potenciais sonegadores clientes do HSBC
Bancos como o HSBC
criaram um sistema para seu próprio enriquecimento à custa da sociedade, ao
promover a evasão fiscal e a lavagem de dinheiro, disse Hervé Falciani, o
funcionário que vazou as informações.
No Painel do Leitor de 17 de fevereiro, a Folha de S.Pauloexibiu a opinião de Celso Balotti. O
leitor do prestigioso matutino disparou: “Talvez o colunista Ricardo Melo
ainda não tenha percebido que a pouca repercussão do escândalo financeiro
mundial (as contas secretas no HSBC da Suíça) na imprensa brasileira se
deva ao fato de que, longe de combater a corrupção, a imprensa brasileira é
parte dela... Quem se surpreenderia se muitos dos sujeitos que aparecem todos
os dias gritando ‘pega ladrão’ estivesse na lista do HSBC”. O colunista da Folha Ricardo Melo teve o desassombro de
apontar a omissão da mídia diante do escândalo global do HSBC.
O International Consortium of Investigative
Journalists (Icij) teve acesso a uma lista de 106 mil clientes de 203 países.
Esses cidadãos do mundo descansaram suas patacas de 100 bilhões de dólares nas
contas secretas do private bank do HSBC suíço. Entre o total de
depósitos, há indícios de uma quantia parruda de grana mal havida ou em esperta
manobra para fraudar o Fisco dos países de origem. Certamente, algumas contas
são legais.
O Brasil contribuiu com 8.667
depositantes, um honroso quarto lugar no campeonato mundial de potenciais
sonegadores. Se o valor total das contas (7 bilhões de dólares) for o critério
de classificação, caímos para nono lugar.
O leitor Balotti, imagino, empregou a palavra corrupção
em seu sentido amplo, ao atribuir essa prática à imprensa do País do
Carnaval. Interpreto as palavras do missivista como uma denúncia de omissão.
Omissão regada à cumplicidade com as camadas sociais useiras e vezeiras em
sambar ao som das picaretagens financeiras e ao ritmo do descumprimento de suas
obrigações com o Fisco. É a mesma turma que proclama O Fim do Brasil. Enquanto
fazem das suas, gritam “pega ladrão” diante das patifarias – vou repetir,
patifarias – dos vizinhos-adversários.
Não creio, sinceramente, que os senhores da mídia nativa
tenham sucumbido às mesmas tentações que levaram o grupo do jornal argentino Clarín, a enfiar a mão na
cumbuca, engrossando o ervanário do HSBC. Prefiro entender o silêncio midiático
como uma manifestação das muitas obsessões oligárquicas que assolam os senhores
de Pindorama: nas sinapses dos patrícios da Pátria, sobrevive a hierarquia
“natural” que organiza a sociedade brasileira desde os tempos da escravidão.
Nem mesmo os corruptos e a corrupção conseguem escapar da fúria classificatória
e classista.
Em meio às folias e algazarras de Momo, entreguei-me à
leitura dos documentos do Icij, sem, no entanto, descurar das interessantes opiniões que circulam na página
Tendências e Debates da Folha.
No mesmo dia e na mesma página, o economista Marcos Cintra sentou a pua na
turma do andar de baixo:
“O corporativismo, a cultura do direito
conquistado, a demagogia, o populismo e a ditadura do politicamente correto
transformaram o Brasil na república dos coitadinhos, onde os que são
considerados vulneráveis julgam ser detentores de privilégios a ponto de
desafiarem as autoridades constituídas para conquistarem suas metas.”
O senhor Cintra exibe uma visão do mundo elaborada a
quatro mãos por Átila, o rei dos hunos, e Al Capone. As engenharias fiscais e
cambiais dos amigos da finança antissocial e predatória surripiaram, só no private bank suíço, 7 bilhões de dólares do Tesouro.
É justo imaginar que há mais bufunfa circulando em outros paraísos. Sendo
assim, diante da resistência dos “vulneráveis”, o ajuste fiscal deveria
completar o trabalho, lançando a multidão dos “coitadinhos” penhasco abaixo.
Lembro aqui o fiasco do Fisco nos trabalhos que buscavam investigar
os protagonistas da avalanche de grana enviada para paraísos fiscais e contas
suíças no caso Banestado. A investigação iniciada pelo procurador federal Celso
Três naufragou no “Acordão” costurado na CPI do Banestado e vazou para os
subterrâneos, filtrada entre as decisões e acórdãos do “novo” Judiciário
brasileiro. Os nomes dos transgressores estavam gravados no então famoso
“disco rígido”, cujo acesso foi bloqueado pelo Supremo Tribunal Federal.
Devo relembrar a frase do finado e saudoso Stanislaw
Ponte Preta: “Restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos”. Por aqui, a
moralidade proclamada por quem se pretende Bom e Bonito perde de goleada para
os princípios que regem suas práticas, aquelas dos Feios, Sujos e Malvados. À
falta de Stanislaw, o Brasil estaria melhor com Ettore Scola.
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