Guia prático para discutir com um direitista perturbado
Eu me
sentei para escrever, coloquei o título no alto da folha e logo dois gênios do
humor me acorreram. Primeiro foi Mark Twain quem me disse ao pé do ouvido:
“Nunca discuta com um idiota porque alguém que estiver de longe não saberá a
diferença entre vocês dois”. O outro, Bernard Shaw, que não foi bem um
humorista mas era um Muhammad Ali das punch lines, soprou
esta: “Aprendi há muito tempo a não lutar com porcos. Você fica sujo e, além do
mais, o porco gosta.” Reparem que “porco” e “idiota” não costumam ser palavras
que elevam o nível de debates, então nada de citar essas tiradas em campo. É
para consumo interno deste guia prático.
Pois bem.
As belas frases até tentaram evitar que eu voltasse aos poços de calamidades
que são os cantos mais mal iluminados da internet, mas eu voltei. Fui para os
lugares onde vale tudo, desde que haja sangue, ódio, porrada na garganta, pena
de morte e sacrifício de pequenos animais para extrair meu “Guia prático agora
que você já entrou numa discussão com um direitista perturbado”. Voilà.
1. Na discussão, aceite apenas palavras
Pode
parecer preciosismo, mas como as sacolas de compras que você resolveu trazer
todas de uma vez e sozinho, o limite precisa ser colocado logo em algum lugar.
Hoje até o mais prudente usuário da grande rede facilmente encontra uma
quantidade intimidante de memes, gifs, montagens, trocadilhos visuais enfim,
que são muito bonitinhos e divertidos mas não são exatamente argumentos. No
começo vai ser divertido, mas logo você se cansa. Em breve, você se distrai com
a foto pornográfica que o Google Images vai incluir nos resultados da sua busca
e perde a batalha para um gif do Cebolinha dançando enquanto diz “Chola Mais”.
2. Prepare-se para não entender por que a
pessoa está nervosa
“Aceita que
dói menos”, como diz uma dos bordões mais recentes das redes sociais. Aceite
que a pessoa odeia até a sua medula e o que ainda resta de medula dentro dos
ossos da sua bisavó que está enterrada desde 1957. Um cenário muito comum é a
discussão política começar pelo fim de sua evolução natural, que é o palavrão.
Os xingamentos às vezes chegam antes mesmo das palavras, o que é até difícil de
explicar. Seu cérebro ainda não decodificou a resposta, mas vê o avatar com a
montagem da presidente Dilma sendo fuzilada e já sente o ar sendo deslocado
pelo palavrão que voa na sua direção.
3. Não concorde com a pessoa, a não ser
que queira ser ofendido
Se não
entendeu, releia o tópico. Eu espero. Em mais de uma oportunidade, minhas
discussões começaram com aquele viril estranhamento mútuo mas evoluíram para a
tal “saudável troca de ideias”. Fala daqui, fala dali, começa a aparecer um
terreno em que nós dois poderíamos conviver. Aí é que vem: a cada mérito que
você dá a um argumento dele, do direitista clínico, do legítimo, mesmo, ele se
irrita como se você o vituperasse em tom maior. O bicho tresanda, espaça as
respostas para reler o que você escreveu e se revolta em nome de uma pretensa
condescendência de sua parte. O orgulho cega. Portanto: pule as partes em que o
adversário é racional e concentre-se na loucura.
4. Esteja pronto para ler outras línguas
que não o português
Durante
suas exposições, um sujeito possuído pelo dever de salvar o país sozinho
costuma superar a capacidade humana de processamento de palavras. Trata-se de
um afã compreensível. Muitas vezes, ele começa a batucar no teclado com tanto
ardor que escapa dali uma língua que não é o português (ou qualquer outra
reconhecida pela filologia). É aquela sequência de palavras grandes que são em
geral traduções não-canônicas do inglês interrompida por vírgulas semeadas com
a ira cega de um Deus do Antigo Testamento.
5. Jamais, em hipótese alguma, ouse
questionar a fonte das informações
Aí você
perde na hora. Se no fim daquele texto que descreve como o ex-presidente Lula
matou todos os jedis crianças em Star Wars Episódio III – A
Vingança do Sith está a escrito”Fonte: Facebook” ou “Fonte:
internet”, fique na sua. Lula é pior que Darth Vader, está escrito. Se você
disser que é boato, vai ser tachado de alienado que ainda lê e assiste os
veículos de ultra-esquerda bolivariana Folha de S. Paulo e TV Globo.
6. Finalmente: mantenha-se firme
Pratique.
“No pain, no gain”. Se seu objetivo é ser um debatedor prolífico e vencedor,
provoque uma discussão dessas por dia e tente seguir o guia prático no decorrer
da contenda. Em duas semanas, garanto que você terá perdido duas semanas da sua
vida.
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