O relato de um “comunista de merda” infiltrado na manifestação em Copacabana
Negros, outra vez, são vistos mais carregando um isopor do que cartazes
Três
enormes carros de som guiam algumas milhares de pessoas pela orla de Copacabana
no protesto desse domingo contra o PT.
No alto de
cada um deles, um grupo de homens e mulheres bem definidos reveza o microfone,
mas os discursos também são bastante parecidos.
Todos
exigem a saída do PT do poder, e assim intervencionistas militares, jurídicos
ou favoráveis à renúncia marcham lado a lado pacificamente.
O clima é
de um jogo da seleção da CBF no Maracanã, visto do setor mais caro das
arquibacandas. Muitas famílias que capricharam no look em degradês de
verde-amarelo, sorrisos, selfies e cerveja gelada.
Um jogo em
que o juíz é ladrão e o único responsável pelo mau desempenho do time.
“Fora
Dilma!” grita então o alto-falante, e é acompanhado em coro pela pequena
multidão ,que logo cansa de repetir o mantra. O trio elétrico anúncia que é
hora de música.
“Diz aí
Gabriel o Pensador!”. Em seguida tocam O Rappa e Geraldo Vandré.
“Para não
dizer que não falei das flores”, um hino contra a ditadura, ganha uma paródia
surrealista na voz de manifestantes pró-intervenção militar, não se sabe ainda
se por cinismo, psicopatia ou ignorância. Acredito que os artistas devem se
manifestar a respeito.
A música é
interrompida quando o carro de som chama a polícia para “retirar” do protesto
um “comunista de merda” visto com uma bandeira vermelha.
Há vários
registros de violência contra pessoas identificadas com símbolos ou cores
comunistas durante esses protestos. O melhor talvez seja o de um senhor que vestia
uma camisa com a clássica imagem da foice e do martelo e dançava, sem dizer
nada, e foi chutado e derrubado por manifestantes, antes de ser salvo ou preso
pela polícia.
“Muito
obrigado Polícia Militar. Vocês são nossos herois!”, grita o auto-falante, e a
pequena multidão aplaude.
A Polícia
Militar do Rio de Janeiro – que essa semana matou um menino de 10 anos na porta
de casa, em uma favela com intervenção militar “contra as drogas” – recebeu
durante o protesto só carinho e gratidão. Além de expulsar comunistas
infiltrados, era requisitada para muitas fotos entre sorrisos e metralhadoras.
“Traficante
tem que mandar é pra Indonésia, quem aqui não ajuda a pagar a passagem de um
traficante pra Indonésia, passagem só de ida! HAHAHA”, grita o alto-falante.
Alguns
policiais sorriem, muitos manifestantes levantam a mão e também gritam.
Como fazem
com diversos outros personagens apresentados pelos líderes com a entonação e a
pausa calculada, à espera da catarse da pequena multidão.
“Dilma saco
de merda!” “Lula chefe da quadrilha!”
Em 1984, de
George Orwell, foi instituída a “Semana do Ódio”, em que as pessoas se reuniam
para odiar um inimigo apresentado pelas autoridades. Em Copacabana, os líderes
não são autoridades, mas pessoas comuns que viram nos protestos uma
oportunidade de liderar revoluções, golpes, processos democráticos… ou
simplesmente de ganhar dinheiro.
“Aceitamos
doações, o que cada um quiser contribuir para fortalecer a nossa luta contra a
corrupção, contra esse governo corrupto, dominado pelo Foro de São Paulo
comunista!”, diz um dos líderes com a camisa polo do kit pró-impeachment.
A luta e os
negócios, porém, parecem chegar numa fase delicada.
Em
comparação com os protestos de março, os desse domingo sofreram uma queda
drástica no número de participantes. Em comparação com 1964, parecem a história
repetida já como farsa.
A classe
pobre ou miserável, que não era menos pobre nos governos anteriores, em que a
corrupção do sistema e as desigualdades já existiam, continua longe desses
protestos e parece ter mais medo da polícia do que dos comunistas do Foro de
São Paulo.
Participa
de outras manisfestações, contra a chacina de crianças nas favelas, contra as
terceirizações, contra a desigualdade, mas muito pouco do “Fora Dilma”.
“É porque
são vagabundos que querem viver de bolsa ou ignorantes. Mas por isso precisamos
levar nossa mensagem a todos, esclarecer a população sobre a urgência de tirar
essa quadrilha do poder”, explica em tom didático e pacífico um dos líder de
camisa polo.
“Nem que
seja à força!” grita outro no microfone.
Muitos
manifestantes aplaudem e também gritam.
Militares
aposentados com a farda empoeirada batem continência para selfies e senhorinhas
bem arrumadas, maquiadas e cheirosas, dançam felizes.
Negros,
outra vez, são vistos mais carregando um isopor do que cartazes.
Crianças
dão gargalhadas com os palavrões ditos no alto-falante.
Alguns tem
lágrimas nos olhos e outros parecem emocionados ou indiferentes em silêncio.
Alguns
permanecem em transe, reviram os olhos e babam.
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