PML: APÓS VARGAS, JANGO E LULA, É A VEZ DE DILMA
A
presença de Luiz Inácio Lula da Silva na mobilização contra o PL 4330 só vem
demonstrar a necessidade de um debate essencial para o futuro do Brasil. Lula
disse que a derrota do projeto é um "ponto de honra" dos
trabalhadores.
O
caráter impopular do projeto se confirma pelo crescimento dos protestos nos
últimos dias. O movimento na base da sociedade se ampliou e levou a UGT,
terceira maior central do país, construída no setor de serviços – onde o
inferno da terceirização se faz sentir com toda intensidade — a abandonar o
bloco favorável ao PL 4330 e exibir suas faixas nos protestos de rua, ontem.
O
rolo compressor comandado por Eduardo Cunha na Câmara de Deputados, que
pretendia garantir a votação de qualquer maneira, inclusive atropelando o
regimento — como demonstrou uma questão de ordem colocada pelo deputado
Alessandro Molon (PT-RJ) há uma semana — foi desativado ao menos
provisoriamente. Numa votação significativa, o plenário definiu, de saída, que
o projeto 4330 não se aplicará aos trabalhadores de empresas estatais. A
votação dos destaques, marcada para ontem, foi adiada por uma semana, pelo
receio de derrotas importantes. Até lá a iniciativa se encontra com os
adversários da terceirização.
A
mobilização dos próximos dias irá definir o destino do projeto, que ainda
precisa ser votado pelo Senado e depois chegará à mesa de Dilma Rousseff para
sanção ou veto.
(No
dia 9 de abril, horas depois da primeira votação na Câmara, você podia ler,
aqui neste espaço, um artigo com o título "Veta, Dilma.")
Lula
defendeu ontem engajamento de Dilma Rousseff na luta contra a terceirização e
está correto. Vagner Freitas, presidente da CUT, lembrou que "Eduardo
Cunha não manda no Brasil." Também está correto.
O PL 4330 é um ataque direto à CLT, a legislação que permitiu ao trabalhador
brasileiro emancipar-se das principais heranças do mundo liberal-policial da
República Velha, que vigorou após a abolição da escravatura — quando os
trabalhadores saíram do cativeiro para o mercado de trabalho, sendo obrigados a
sujeitar-se a todo tipo de exploração, fazendo direito apenas ao porrete, à
prisão e à expulsão do país — muitas lideranças eram estrangeiras — quando
ousavam revoltar-se.
A
CLT é uma conquista tão essencial, um divisor de águas tão profundo, que
pensadores como Wanderley Guilherme dos Santos já disseram que a luta por sua
revogação é o único ponto programático que uniu a elite brasileira de forma
permanente nos últimos 70 anos.
Getúlio Vargas usou a força da ditadura do Estado Novo para assegurar garantias
aos assalariados e definir obrigações às empresas que eram reclamadas há muito
tempo — e nunca foi perdoado por causa disso, num ódio que em 1954 lhe custou a
vida. João Goulart, o primeiro ministro do Trabalho comprometido com a CLT,
inclusive para reajustar o salário mínimo de acordo com a inflação, o que seus
antecessores se recusaram a fazer, foi um presidente que enfrentou uma tentativa
de golpe antes de ser empossado, em 1961; acabou derrubado pelos militares em
1964; e foi perseguido até o fim de sua vida: a ditadura só permitiu que
retornasse ao país quando estava morto. A ascensão de um líder operário à
presidência da Republica, em 2003, seria impensável se os trabalhadores
brasileiros não tivessem a garantia elementar de cidadania propiciada pela
carteira de trabalho, documento capaz de retirar a pessoa comum de várias
situações de aperto, inclusive quando é incomodada na rua numa batida policial.
Treze anos depois da chegada de Lula ao Planalto, o país inteiro assiste ao
programa cruel e seletivo de ataque e perseguição ao PT e seu governo, sem
paralelo na história de nossa democracia.
A
hipocrisia ideológica de nossa época colocou em circulação a visão de que toda
garantia oferecida pelo Estado — inclusive a legislação trabalhista — não passa
de uma forma de tutela contra as liberdades e direitos de cada cidadão. Nos
Estados Unidos, esse conservadorismo mais extremo, na escola Tea Party, a ala
mais à direita do partido republicano, condena todo subsídio a saúde publica
como uma etapa capaz de levar a construção de um regime socialista. No Brasil,
diz-se que a CLT uma ameaça a iniciativa individual, ao empreendedorismo e ao espírito
competitivo — valores tão em moda entre consultores, executivos e jovens
empresários.
São
fantasias, na verdade. Estamos falando de distribuição de renda e bem-estar
social, reivindicações mais do que necessárias num país como o nosso. O debate
sobre a terceirização chegou ao país há mais de duas décadas, junto com a
privatização de grandes empresas estatais. Em nome do combate ao chamado
"Custo Brasil," o argumento era que o Brasil precisava enfrentar o
"custo do trabalho", eufemismo que confirma que nenhum advogado da
terceirização está preocupado em melhorar o destino dos 12 milhões de
brasileiros que sobrevivem nesta situação — apenas pretende oferecer
trabalhadores mais baratos. Estamos falando, como ensina um estudo do DIEESE de
1993 (" Os trabalhadores frente a terceirização") de problemas como:
–diminuição de salários;
–redução de benefícios sociais;
— diminuição da força de trabalho;
— jornadas mais extensas;
–piora das condições de saúde e segurança;
— desorganização da representação sindical.
É
uma realidade tão crua que foi preciso aguardar por um Congresso eleito a peso
de ouro pelos empresários para que o 4330 pudesse dar sinal de vida depois de
hibernar por dez anos, em função do receio de confrontar a reação da maioria da
população. Quando subiu à tribuna da Câmara para declarar seu voto contra o
4330, a deputada Erika Kokay (PT-DF) fez um discurso que equivalia a um chamado
à dignidade e à honestidade dos presentes: "Vamos tirar as máscaras,"
disse. "Alguém acha que estamos defendendo o terceirizado?,"
perguntou.
Em
2010, um estudo do DIEESE ("Terceirização e morte no trabalho: um olhar
sobre o setor elétrico brasileiro") mostrou a diferença entre
terceirizados — mesmo com carteira de trabalho — e funcionários do quadro
próprio nas empresas do setor elétrico. Um dado importante mostra que, uma vez
instalada, a terceirização tende, por motivos óbvios, devorar vagas
tradicionais. Em apenas um ano, a porcentagem de terceirizados saltou de 34,8%
para 52,6%, fazendo com que se tornassem a maioria dos assalaridos do setor.
Isso aconteceu por uma elevação nas vagas de terceiros e uma redução em 7,9%
das vagas dos demais. A mudança ocorreu após as privatizações. Sintomático,
não?
Um
ponto essencial diz respeito à segurança dos trabalhadores, numa área conhecida
pelos riscos e acidentes fatais. É escandaloso. Conforme a Fundação Coge,
entidade que estuda métodos de gestão no setor elétrico, os números que
envolvem acidentes com trabalhadores terceirizados são piores do "os da
época em que a prevenção de acidentes no Brasil ainda era incipiente,"
isto é, trinta anos atrás. Os números da Fundação permitem associar —
matematicamente — a terceirização com mais mortes e acidentes. Entre 1994,
quando os trabalhadores contratados diretamente pelas empresas eram maioria, em
2006, quando terceiros já eram um número maior, os acidentes fatais, envolvendo
todo tipo de funcionário, cresceram 70%. Mas apenas 2 em 10 eram contratados
pela empresa. Os outros, terceiros. Como regra, conclui-se que em média os
riscos sofridos pelos terceiros superaram em três vezes aqueles sofridos pelos
contratados. Num caso, a taxa era de 47,5 por 100 000. No outro, 14,8 por 100
000. Comparando as diversas regiões do país, apurou-se em uma delas uma taxa de
mortalidade, desfavorável aos terceiros, até 11,23 vezes superior à dos
trabalhadores do quadro próprio.
Outro
aspecto do 4330 é enfraquecer os sindicatos, entidades que poderiam servir de
instrumento para enfrentar as perdas que a nova legislação pretende criar.
Estamos falando do serviço completo, vamos combinar: equivale a espalhar uma
epidemia e em seguida esconder o remédio que poderia ajudar na cura.
Quem
pensa que o enfraquecimento dos sindicatos não foi uma medida essencial para a
elevação da desigualdade e a concentração de renda ocorrida no mundo inteiro,
nas últimas décadas, precisa ler um documento insuspeito do Fundo Monetário
Internacional — isso mesmo, o velho FMI, publicado o mês passado. Ali se
reconhece que o crescimento da desigualdade observado nos países centrais entre
1980 e 2010 tem como uma de suas causas principais a redução da
"influência dos assalariados sobre as decisões das empresas," num
período marcado pela "baixa taxa de sindicalização e o aumento "dos
rendimentos mais elevados" (Le Monde Diplomatique, abril de 2015).
Nós
sabemos, desde a emergência dos regimes totalitários da década de 1930, qual o
efeito político do enfraquecimento dos sindicatos, que ajudam a definir
interesses de classes, promovendo o debate e os conflitos que dão vigor às
democracias.
Alguma
dúvida sobre o 4330?
Veta, Dilma.
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