COMO SE INSTALAM OS NOVOS GOLPES DE ESTADO
Durante a evolução
da história humana, as civilizações caracterizam-se por sempre estarem
envolvidas num processo dialético, de transformações constantes. Não foram
raras as mudanças estruturais e conjunturais nas sociedades de cada época, que
por vezes quebravam uma linha evolutiva, em outras ocasiões apenas havia uma
troca de comando no governo, ou mesmo uma evolução natural devida,
principalmente, às circunstâncias e necessidades peculiares a cada momento
histórico.
Por Pedro Maciel
Neto*
Temos lido
diariamente que há em curso um “golpe”, esse golpe teria por objetivo apear do
poder a Presidente Dilma Rousseff, banir o Partido dos Trabalhadores e instalar
uma nova ordem. Há, por outro lado quem veja pertinência nisso tido e até quem
defenda abertamente uma intervenção militar ou o impeachment da presidente
eleita.
Bem, vou me ater ao conceito de “golpe de estado”.
O golpe de Estado é a usurpação do poder de forma ilegítima e ao contrário das
revoluções, sobre o que podemos escrever noutro momento, tem um caráter
pessoal, egoístico.
Ele busca a tomada do poder para atender o interesse de uma pessoa ou de um
pequeno grupo que representa interesses que são contrários ou não são
contemplados pelo Establishment Politico.
Ele ocorre quando os derrotados, descontentes e golpistas, incapazes de
alcançar o poder pelo voto popular, buscam através de manobras políticas ou
pela força, assumir a posição de Chefe de Governo e o fazem de uma forma
ardilosa: buscam legalizar e legitimar a ruptura institucional
instrumentalizando o Poder Legislativo e do Judiciário.
E, a meu juízo, infelizmente está em curso no país um golpe de Estado e o fato
torna-se induvidoso, especialmente depois da reunião recente que ocorreu entre
o Presidente da Câmara dos Deputados, do Ministro do STF Gilmar Mendes e do
Deputado Paulinho da Força, cuja pauta foi o impeachment da presidente da
república, a votação de suas contas eleitorais no Tribunal Superior Eleitoral e
as de seu governo no Tribunal de Contas da União.
Esse fato é uma esculhambação aos valores republicanos. Por favor, não me
censurem pelo uso do substantivo feminino “esculhambação”, pois ele representa
precisamente a natureza dessa reunião (“circunstância ou condição em que há
confusão; bagunça ou avacalhação:…”).
E essa esculhambação aos valores republicanos ocorreu no padrão contemporâneo
de fazer politica (assim mesmo, com “pê” minúsculo): usando a mídia para dar
contornos de fato positivo ou negativo conforme a conveniência. Tanto que a
chamada do jornal Folha de S.Paulo é reveladora “Cunha discute
impeachment com ministro do Supremo.”.
O verniz civilizado e civilizatório rompe-se com facilidade em nossa sociedade
quando interesses são contrariados, basta observarmos o que está acontecendo
hoje no país, onde o moralismo publicado interesses impublicáveis.
1964, por exemplo, foi um golpe de Estado, pois um grupo que havia perdido as
eleições presidenciais para Getúlio Vargas, para Juscelino Kubitschek e para
Jânio Quadros que, ao lado dos maus militares, tomou para si o poder e tentaram
rebatizar o evento nefasto de “revolução” e dar a ele contornos de legalidade e
legitimidade controlando o congresso e o Judiciário.
O golpe de Estado é comum em locais cujas instituições são políticas fracas,
onde não existe a certeza do cumprimento de todas as normas constitucionais no
que diz respeito à sucessão dos cargos políticos ou à garantia dos direito
individuais, o golpe de Estado foi muito comum na América Latina, África e
Oriente Médio no decorrer do século 20. Seus principais agentes aparecem quase
sempre como os novos salvadores da pátria, haja vista sempre acontecer algum
distúrbio ou crise quando de um golpe de Estado.
Fato é que vivemos tempos sombrios, um tempo em que os golpistas lançam mão,
mais uma vez como fizeram em 1954 e em 1964, da bandeira do combate a
corrupção, mas, paradoxalmente, defendem a redução da maioridade penal, o
impeachment, a ruptura institucional, etc.. Vivemos um tempo em que os
“bolsonaros”, e imbecis de todo gênero, ofendem a presidência da república,
pedem a morte de Jô Soares, fazem ofensas racistas a uma jovem jornalista.
Tenho escrito faz algum tempo que tudo isso faz parte de um encadeamento de
fatos quais, na minha maneira de ver, são os responsáveis à inflexão
conservadora, sombria mesmo, que estamos testemunhando no país. Trata-se da
construção do golpe.
O golpe em curso possui uma metodologia curiosa: (a) a Judicialização da
Politica; (b) a Politização do Poder Judiciário; (c) a espetacularização
(midiatização) do que foi jucializado e, por fim, d) a criminalização da
Politica, dos políticos e dos partidos políticos, tudo para justificar o golpe.
A sociedade tem de reagir a qualquer tentativa de golpe, pois estamos no século
21, nossas instituições são fortes e uma ruptura institucional seria trágica
para a nação.
*Pedro Benedito Maciel Neto é
advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, ed. Komedi, 2007.
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