Rendição da Grécia, miséria do euro e do capitalismo
Os governantes da Europa que retornaram de
Bruxelas a suas capitais, após a maratona de negociações que manteve a Grécia
na zona do euro, com enorme custo para a soberania política do país, definiram
um novo cenário político para o continente. Ele é ameaçador. Ao forçar o
governo de Alexis Tripras a uma rendição abjeta – ignorando os pedidos de
alguns de seus vizinhos, em particular a França – a Alemanha exerceu com
estrondo, talvez pela primeira vez após a reunificação, seu poder no palco
europeu.
Desde
que o Syriza, partido grego de esquerda, foi eleito, em janeiro, sobre uma
plataforma de acabar com as políticas de “austeridade” impostas pela União
Europeia (UE), tornou-se óbvio que Angela Merkel, a chanceler alemã e
governante de facto da Europa, reteve a chave que
permitiria resolver a crise. Por duas vezes nos últimos meses – primeiro em março e depois
na semana passada –
expressei a esperança de que a chanceler ultrapassasse a ideologia econômica
conservadora alemã, uma espécie de “ordoliberalismo”, e os preconceitos
germânicos contra os europeus do Sul. Ele poderia conceber uma solução que,
embora obtendo concessões significativas do governo grego, preservasse os
ideais de comunalidade e solidariedade que supostamente sustentam a UE.
Tragicamente, a chanceler foi incapaz de corresponder ao desafio
Ao
invés de adotar o manto de uma estadista europeia, ela colocou-se ao lado de
seu ministro de Finanças linha-dura, Wolfgang Schäuble, forçando Atenas a
rastejar diante de seus credores, sob pena de deixar a zona do euro – uma opção
à qual a sociedade grega se opunha. Agora que Tsipras voltou a Atenas, ele
enfrenta a tarefa indesejável de persuadir o parlamento grego a aprovar o que
talvez seja o acordo mais impositivo e invasivo entre uma nação avançada e seus
credores desde a Segunda Guerra Mundial. Se o Parlamento grego recusar a ceder
ao acerto, o país não receberá mais dinheiro, seu governo será forçado a dar
calote em mais empréstimos, seus bancos entrarão em colapso e ele será forçado
a lançar sua própria moeda.
Uma declaração de seis páginas emitida
na tarde de segunda-feira pelos governantes da zona do euro estabeleceu os
termos da rendição grega. O documento foi redigido em termos que parecem
escolhidos para infligir humilhação máxima sobre Tsipras e seus companheiros do
Syriza. Tome-se, por exemplo, o papel de um dos credores da Grécia, o Fundo
Monetário Internacional (FMI), que muitos gregos culpam pelas políticas de
“austeridade” impostas como condições, nos empréstimos de 2010 e 2012. Nas
últimas duas semanas, à medida em ia sendo forçado a recuar em todos os pontos,
Tsipras insistiu que, sob um novo acordo, a Grécia poderia ao menos ver o FMI
pelas costas. Ao contrário. A declaração frisa que quando estados-membros da
zona do euro requerem assistência do Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM, em
inglês – um fundo de resgate, baseado em Luxemburgo e estabelecido em 2012),
eles estão obrigados a pedir ajuda ao FMI. “Esta é uma pré-condição para que o
eurogrupo aceite um novo programa do ESM”, diz o texto, e prossegue: “Portanto,
a Grécia requerirá apoio contínuo do FMI (monitoramento e financiamento) a
partir de maço de 2016”.
E
sobre a reestruturação da vasta dívida grega, que Tsipras também queria tornar
parte do acordo? A declaração diz que o eurogrupo (essencialmente,
os ministros de Finanças da eurozona) aceitam considerar a sustentabilidade da
dívidas, mas apenas após a implementação, pela Grécia, dos
termos do novo empréstimo, para satisfação das “instituições” que irão
supervisioná-lo – ou seja, atemida “troika”, que reúne o Banco Central Europeu
(BCE), a Comissão Europeia e o FMI.
“O eurogrupo permanece pronto a considerar,
se necessário, possíveis medidas
adicionais, visando assegurar que as necessidades de financiamento [da Grécia]
permanecerão em nível sustentável”, diz a declaração. “Estas medidas estarão
condicionadas à completa implementação das medidas a serem acordadas num
possível novo programa, e serão consideradas após a primeira conclusão positiva
de uma revisão”. Mesmo neste caso, as ações a ser consideradas serão modestas.
“O encontro do euro frisa que reduções nominais da dívida não podem ser
adotadas”, prossegue o texto.
Os
credores aceitaram algum recuo num único aspecto. Modificaram ligeiramente uma
proposta que obrigará a Grécia a transferir ativos nacionais avaliados em 50
bilhões de euros para um novo fundo de privatização, com sede fora da Grécia,
administrado por estrangeiros e encarregado de leiloar bens pela melhor oferta.
Quando o tema emergiu, no sábado, num documento interno do
ministro das Finanças alemão que vazou, houve quem enxergasse a imposição como
um objeto de barganha, suscitado para forçar concessões do Syriza em outras
áreas.
De
maneira alguma. Nas negociações da madrugada, entre Merkel, Tsipras, o
presidente francês François Hollande e o presidente do Conselho Europeu, Donal
Tusk, a chanceler alemã teria dito que o fundo era uma das “linhas vermelhas”
da qual não recuaria. Sob pressão dos franceses e gregos, os alemães aceitaram ao final que localizar o fundo de
privatização fora da Grécia seria uma humilhação muito extrema. Insistiram, no entanto, no essencial.
A declaração emitida na segunda esclarece que o fundo terá sede em Atenas e
será “gereniado pelas autoridades gregas, sob supervisão das Instituições
Europeias relevantes”.
Exceto
por esta mínima concessão, os gregos foram submetidos a uma lição cruciante
sobre o funcionamento de uma zona monetária que, para muitos países europeus,
converteu-se em camisa de forças. Os alemães têm as chaves dos cadeados que
trancam as correias. No combativo estilo que o tornou famoso, Yanis Varoufakis,
o ex-ministro das Finanças grego descreveu o
acordo como um “novo tratado de Versalhes” e ligou-o a um “golpe de Estado”.
Tal
linguagem deveria se usada com cuidado, ao descrever um continente que assistiu
a tanto conflito, extremismo e ditadura. Não houve uma guerra, e a Grécia ainda
é uma democracia. Mesmo agora, o parlamento grego tem poderes para rejeitar o
acordo e coordenar uma retirada grega do euro. De fato, uma das críticas que
podem ser feitas a Tsipras e Varoufakis é que eles não desenvolveram mais
seriamente a opção de uma saída, durante os cinco meses que gastaram em
disputas com os credores da Grécia. Apesar de todos os riscos e dificuldades
que acompanhariam tal escolha, ela ofereceria o perspectiva de permitir à
Grécia, ao fim, libertar-se e seguir seu próprio caminho.
Mas
se o que aconteceu durante o fim de semana não equivale exatamente a um golpe,
foi uma exibição rude de poder, por parte da Alemanha e uma lembrança
apavorante da lógica impiedosa de uma união monetária dominada por credores e
economia pré-keynesiana.Nas palavras de
Paul De Grawe, um conhecido
economista belga que ensina na London School of Economics, um “alicerce do
futuro modo de governo” da zona do euro foi cimentado no fim de semana:
“Submeta-se aodomínio alemão ou saia”. Nos próximos anos e décadas, a Alemanha
corre o risco de descobrir que muitos europeus preferirão a segunda opção.
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