Reforma política: Levanta, Gilmar
Protesto da CNBB em frente ao Congresso contra as doações empresariais em campanhas políticas
O pedido de vista do ministro do STF à ação que
defende o fim do financiamento empresarial de campanhas completa um ano sob
críticas da OAB, CNBB e estudantes de direito.
Na
quarta-feira 24, integrantes da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) acenderam 365 velas em frente ao Supremo Tribunal Federal, uma para cada
dia de espera. Neste 2 de abril, completa-se um ano do pedido de vista do
ministro Gilmar Mendes à ação da Ordem dos Advogados do Brasil que defende a
inconstitucionalidade das doações de empresas em campanhas eleitorais. Marcelo
Levenére, da Comissão para Reforma Política da CNBB, pediu a Ricardo
Lewandovski, presidente da Corte, a retomada do julgamento. Antes de Mendes
sequestrar a ação em seu gabinete, o julgamento estava virtualmente decidido.
Seis ministros foram favoráveis à tese da OAB de que a participação de empresas
nas eleições fere o princípio democrático da igualdade, pois aumenta a influência
dos mais ricos sobre o resultado das eleições e incentiva relações corruptas
entre doadores de campanha e políticos.
Mendes não foi o único alvo da CNBB. Na terça-feira 23, a
entidade dispôs 200 sacos fictícios de dinheiro em frente ao Congresso e clamou
pela rejeição da Proposta de Emenda Constitucional 352, que pretende
regularizar as contribuições de pessoas jurídicas. “Queremos uma reforma
política boa para a democracia brasileira”, diz Lavenére. “Não aceitamos oprojeto que Eduardo Cunha, do PMDB, quer impor goela
abaixo.”
Cunha e Mendes agem em sintonia. O primeiro busca garantir a
legalidade das doações empresariais na Câmara, o segundo aguarda a definição do
Congresso para dar prosseguimento ao julgamento em um cenário que incentivaria
a revisão dos votos dos ministros favoráveis à ação. Cunha promete levar a
plenário a PEC 352 mesmo sem um parecer da comissão instalada sobre o tema. O
projeto defendido pelo presidente da Câmara prevê ainda o voto facultativo, o fim da reeleição para cargos do Executivoe
a implantação da chamada cláusula de barreira, exigência de um mínimo de votos
para um partido ter direito a ocupar assentos no Congresso.
O PMDB, partido que mais arrecada em eleições, é o maior
interessado na continuidade do financiamento empresarial de campanhas. Nas
eleições de 2014, o Diretório Nacional do partido declarou ao Tribunal Superior
Eleitoral ter recebido 208,1 milhões de reais. Segundo deputado federal mais
beneficiado por doações, Cunha afirmou ter arrecadado 6,8 milhões. O partido é,
por sinal, o principal alvo de uma investigação da Procuradoria Geral da
República a respeito de contribuições que podem ter sido abastecidas com
recursos desviados da Petrobras nas eleições de 2010. A Procuradoria investiga
a origem de doações de empreiteiras no valor de 32,8 milhões à legenda. Para
completar, Cunha e Renan Calheiros, presidente do
Senado, estão na lista de investigados da Operação Lava Jato.
A proposta de reforma política de Cunha opõe-se diretamente
à do PT, defensor de longa data do fim das doações empresariais, posição
reafirmada inúmeras vezes pela presidenta Dilma Rousseff. Um consenso no
Congresso para vetar a prática parece distante, ao se considerar a baixa fidelidade recente do PMDB ao governo petista,
pressionado a recuar em diversos temas. Na quarta-feira 25, Calheiros reafirmou
o clima ruim, ao sinalizar que o Congresso derrubaria um eventual veto de Dilma
ao projeto de regulamentação do novo indexador da dívida dos estados e
municípios. Poucas horas depois, o presidente do Senado atendeu ao pedido do
ministro Joaquim Levy para dar tempo ao governo na apresentação de uma
contraproposta.
Não
é a primeira vez nesta legislatura que Calheiros endurece o jogo. Recentemente,
articulou a derrubada do veto de Dilma à correção de 6,5% na tabela do imposto
de renda. Após ser avisado da presença de seu nome na lista de investigação da
Lava Jato, Calheiros determinou a devolução de Medida Provisória que reduzia as
desonerações na folha de pagamento.
Enquanto a proposta de reforma política defendida pelo PMDB
não passar por votação, a análise da ação da OAB permanecerá estacionada,
promete Mendes. "Isso é matéria do Congresso por excelência. Alguém já
imaginou o Supremo definindo qual será o sistema eleitoral?", afirmou ao
jornal O Globo. Retórica
pura. Nos últimos anos, o STF ficou conhecido por seu ativismo e Mendes foi um
dos protagonistas do que se convencionou chamar “judicialização da política”.
Acumulam-se exemplos de decisões da Corte que atropelaram as funções do
Legislativo. Aprovada em 1996 pelo Congresso, a mesma cláusula de barreira que
o PMDB quer reeditar foi considerada inconstitucional pelo Supremo em 2006.
Em frente ao STF, vigília organizada em 25 de março para lembrar paralisação de julgamento provocada por Gilmar Mendes
Mendes
criticou ainda a OAB por querer impor um limite uniforme às contribuições
individuais. “Um pouco de respeito à inteligência alheia faria bem a quem
formulou essa proposta. Não nos façam de bobos!”. Segundo o ministro, impor um
mesmo valor de contribuição a um beneficiário do Bolsa Família e a um
empresário é encomendar “lavagem de dinheiro”. Cezar Britto, ex-presidente da
OAB e líder da comissão para reforma política da entidade, rebate ao lembrar
que o modelo atual de contribuição individual, baseado em um limite percentual
de 10% da renda aferida no ano anterior às eleições, afeta principalmente
candidatos independentes. “No Rio de Janeiro, há casos na Justiça Eleitoral de
impugnação de candidaturas de estudantes por terem recebido doações de colegas
que não tinham remuneração fixa”, lembra Britto.
Coincidentemente,
um grupo de estudantes de faculdades cariocas de Direito fará um ato contra o
pedido de vista de Mendes em 2 de abril. Festas de “descomemoração” serão
realizadas na PUC, UERJ e UFRJ, entre outras. Um dos organizadores, Luiz
Fernando Azevedo afirma que os atos terão entregas de panfletos para convocar
os estudantes a debater a reforma política e passeatas puxadas pelo lema
“levanta, Gilmar”. “É difícil de acreditar que um homem inteligente como ele
necessite de um ano para entender uma proposta, tomar uma decisão e organizar
seu voto.”
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