Tâmara... Rainha do Cacareco

Tâmara, com o seu nome tatuado no alto da coxa direita.
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Ao meu querido amigo Sóstenes Fonsêca que, aos doze anos, já conhecia os prazeres dos braços de Tâmara.

Ao meu querido primo e amigo Marcos Nunes que, pacientemente, aos meus dezesseis anos foi, por pura opção, também meu pai.



Aos dezesseis anos, com meus pais ainda morando em Umbuzeiro, voltei ao Colégio Americano Batista, agora na condição de aluno do externato. No ano anterior havia estudado no Colégio Arquidiocesano, na Rua do Príncipe, depois de dois anos no internato do mesmo C.A.B, ambos em Recife.
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Para mais um ano letivo, eu aterrissava mais uma vez na casa de parentes ou amigos que mal conhecia, na condição de um incômodo hóspede.
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Culpar os amigos ou parentes que, generosamente, me acolheram em seus lares para que meus estudos não fossem interrompidos, como se problema deles fosse, seria, no mínimo, injusto. O desconforto que sentia com o novo ambiente, a necessidade de fazer novos amigos rapidamente, nada tinha a ver com os anfitriões.
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Com exceção da casa da minha avó paterna, onde, aos quinze anos, residi ao lado dela e das minhas Tias Lalú e Marlene, nas outras sempre encontrei crianças e depois adolescentes da minha idade, o que facilitava muito minha adaptação.
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Passados os primeiros meses, restava aos da casa adaptarem-se à presença daquele quase estranho e, a mim, depois de assimilar os costumes e rotina do novo ambiente, amargar, minuto a minuto, aquela saudade lacerante, onipresente.
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Aquele ano, na casa de uma madrinha de mamãe – Madrinha Francisquinha – tinha tudo pra ser um daqueles de adaptação quase impossível, pois, o filho homem da casa já tinha vinte e quatro anos, e interesses e lazeres bem diferentes dos que até então eu carregara na mochila.
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Marquinhos poderia não ter me dado nem cartaz... Eu era apenas um adolescente que chorava quase todas as noites com saudades dos pais e irmãos.
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Mas, não.
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Aos poucos, fui trocando os meus Gibis de “Buck Jonnes”, “Opalong Cassid” e “Ton Mix” pela coleção de Jornais de Marquinhos; as músicas da Jovem Guarda pelos seus inúmeros discos de Elvis Presley; os refrigerantes, bombons de gasosa e chocolates, por cerveja, saquinhos de amendoins torrados e cigarros.
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As minhas noites, antes ocupadas com uma namorada e muitas horas de sono, agora passaram a ser preenchidas com saídas prolongadas até os bares Savoy, Botiginha – freqüentados por outra clientela à época - e outros menos conhecidos.
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As boates Chanteclair na avenida Rio Branco e Sayonara em Piedade, também já tinham visto nossas caras.
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Na Chanteclair, ele me levara apenas para que soubesse como funcionava um cabaré de verdade, dos grandes, dos chiques, cheios de mulheres lindas e caras. A conversa lá, foi sobre casos conhecidos de mulheres espertas que passaram a perna – no sentido figurado - em algum cliente; de confusões que aconteceram por excesso de álcool, e informações sobre as doenças mais freqüentes naqueles ambientes.
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À bordo da sua charmosa caminhoneta Studbaker modelo 51 pintada na cor laranja, quando não estava dividindo a boléia com sua encantadora noiva Dione, lotava-a com uma galera de amigos inseparáveis, como Tomáz, Gentil, Ailton, e outros que não lembro mais. Não raras vezes, desfilávamos pelas ruas do Recife com a carroceria apinhada de amigos à procura de um bar, ou a caminho da casa de César Brasil – famoso radialista e colega dos irmãos Bezerra da Rádio Olinda, e que faziam parte do seu ciclo de amigos. Antes de sair, ia até o meu quarto e me intimava com sua voz de barítono: Rodolfinho! Vamos ali.
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Lições de companheirismo, de cuidados com a madrugada, de posicionamento político o mais à esquerda possível, vinham de enxurrada daquela turma inteligente, bem informada e revoltada com a ditadura recém instalada no país.
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Em casa, quando não estávamos lendo os jornais, estávamos jogando 21 no baralho, apostando palitos de fósforos.
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O carteado a dinheiro, nas primeiras noites após receberem seus salários, virava a madrugada, porém, em mais uma prova de amizade, Marquinhos nunca me convidou, ou se quer me aceitou à mesa, para gastar minha mesada entre aquelas feras.
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Algumas noites, quando não tinha nada mais interessante pra fazer, ele ia até o meu quarto, atrapalhar minha leitura preferida naqueles dias: sua coleção de livros de bolso – “Giselli... A Espiã Nua Que Abalou Paris”. Ele tinha o hábito de dormir muito tarde e, para não ficar sem companhia enquanto tomava cerveja nessas noites de ócio, colocava “mutuca” em mim se eu adormecesse primeiro.
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Nos filmes impróprios para menores de dezoito anos, emprestava-me sua carteira de identidade para que eu me encantasse com todas aquelas novas opções de prazer que apareciam nas telas do Rivoli e Coliseu.
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Como não poderia deixar de ser, tornei-me um “alvirrubro” apaixonado, acompanhando Marquinhos em todos os jogos dos “Intocáveis” – nome de um filme policial que passava na televisão e transformou-se em apelido para aquela imbatível equipe do Náutico. Com ele, vi o Timbu, comandado por Bita – o Homem do Rifle - tornar-se exa campeão.
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Aquele ano trouxe uma abrupta e deliciosa mudança em minha vida, levando-me da puberdade direto à fase adulta.
Aos poucos fui me sentindo auto suficiente. Comecei a arriscar algumas incursões solo na noite recifense, limitadas inicialmente ao bairro de Casa Amarela, onde morávamos.
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Conhecer todas aquelas novas possibilidades de prazer e não ter como prová-las era frustrante. A mesada, antes gasta com passagens, refrigerantes, salgadinhos e doces, não tinha agora como ser suficiente para cigarro, cerveja e, muito menos, mulheres.
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A minha sorte estava na casa de Ailton, amigo e visinho de muro de Marquinhos, e que depois transformou-se num grande amigo meu.
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A empregada dele, Maria, dormia num quartinho nos fundos da casa, e só ia pra sua, cuidar do marido e dos filhos, no final de semana. Conversa vai, conversa vem, eu e Maria encontramos um local nos fundos da casa de Marquinhos onde era possível pular o muro e encontrar uma escada que ela deixava me esperando do outro lado. Umas duas vezes a cada semana eu praticava esse alpinismo, com direito a Maria como prêmio.
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Além dessa Maria, conhecera também Maria de Umbuzeiro, uma negra, filha de um morador de uma fazenda próxima à cidade, mas, nos encontrávamos apenas nas férias escolares.
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Esses encontros com as duas Marias eram cheios de emoções, proporcionadas pelas acrobacias que precisava executar, tanto para convence-las a ficar com aquele pirralho, como para viabilizarmos juntos o local do encontro. Além disso, apenas o encantamento com aquela explosão que sentia o meu corpo no epílogo de cada aventura daquelas.
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Era coisa muito boa, até pouco tempo desconhecida, que permanecia dominando meus pensamentos nos dias seguintes e levando-me a revive-la sozinho, enquanto não chegava o próximo encontro.
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Não havia nenhum sentimento envolvido, não conversávamos antes nem depois, e tudo obedecia a um ritual curto e repetitivo.
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Ao voltar de Umbuzeiro, onde passara as férias de junho daquele ano, trouxe comigo alguns trocados a mais e a idéia de uma viagem a Caruaru, onde moravam e ainda moram alguns primos muito queridos, que têm quase a mesma idade minha.
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Cheguei em Caruaru num sábado pela manhã e, junto com um dos primos fomos para as barracas de comida da feira, que ainda funcionava na Rua do Comercio.
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Não dava pra ir a Caruaru e não saborear um bode guisado na feira. E, além do mais, eu agora queria mostrar aos primos que também já tomava umas e outras.
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Um pratinho de bode aqui, outro de sarapatel ali... Uma Serra Grande com limão, outra pura pra mostrar que era cabra macho mesmo, e terminamos daquele jeito... Chegamos na casa de Tita - minha querida tia Dolores - lá por volta das três da tarde. Só deu tempo de tomar um banho frio com pouca água na torneira - característica da cidade naqueles anos - e tirar uma soneca pra recuperar as forças.
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No "esquema" combinado com meu primo no banco da feira, ficou acertado uma noitada cheia de emoções, ao lado de lindas mulheres que ele conhecia.
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Não tivemos paciência de esperar a hora do pecado para iniciarmos a traquinagem. Seguimos direto pra Rua Vidal de Negreiros, nas proximidades da Praça Nova Euterpe. Era o início de mais uma noite de sábado em Caruaru.
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Na primeira mercearia pedimos duas lapadas de cachaça, uma coca-cola e duzentos e cinqüenta gramas de queijo de coalho em pedacinhos como tira-gosto. Seguindo as orientações do primo mais experiente, pingávamos um pouco de coca dentro da cachaça e tomávamos de uma só vez. Em seguida saboreávamos um pedacinho do queijo. Cada coca-cola dava pra quatro "lapadas", duas pra cada um. E assim fomos, de bodega em bodega, carregando nas mãos o embrulho com o queijo de coalho.
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Quando chegávamos numa nova mercearia, abríamos o embrulho em cima do balcão e pedíamos duas Serras Grandes e uma coca-cola.
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Caminhávamos pro Cacareco, cabaré que ficava num ponto mais alto do hoje chique bairro Maurício de Nassau. Durante o percurso, meu primo só falava em Marina, uma linda morena clara, baixinha, por quem estava apaixonado, mas fazia sempre uma ressalva: a mulher mais bonita de lá é Tâmara, mulher de Esquerdinha, jogador do Central e ídolo da torcida. Meu primo dizia que quando Esquerdinha chegava ao Cacareco, onde Tâmara morava, não tinha pra ninguém: ela só ficava com ele, e muitas brigas Esquerdinha já provocara por tê-la encontrado com outros.
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Assim que chegamos, meu primo encontrou Marina e pediu-lhe que chamasse Tâmara, pra conhecer seu primo do Recife. Enquanto esperávamos por elas, pedimos duas doses de Montilla e uma coca pra acompanhar o bolero de Núbia Lafayette, que saia pelas janelas do Cacareco.

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Quando Tâmara chegou e nos olhamos, a primeira coisa que percebi foi um ar de decepção em seu olhar. Certamente esperava encontrar um homem feito e não um pirralho que acabara de completar dezesseis anos, macérrimo, cheio das “cabumbas” e metido a coisa. Eu, no entanto, fiquei encantado com sua beleza.

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Tinha cabelos negros levemente ondulados até um pouco abaixo dos ombros, grandes olhos ligeiramente esverdeados e lábios sensuais cheios de batom. Estava usando sandálias de meio salto bem fininho, com tiras douradas entre os dedos, uma justa saia preta bem curtinha, e um bustiê bege-claro, estampado com grandes rosas coloridas, preso apenas por um laço logo abaixo dos belos seios, quase à mostra. Tinha uns vinte e dois anos, mas já estava consciente do poder que possuía. Não foi difícil puxar conversa com ela.
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Havia uma sala reservada, com cortinas vermelhas, poltronas muito macias com almofadas escarlates de cetim que contornavam uma mesa de centro, grande o suficiente pra caber bebidas e salgadinhos. Um dos cantos ostentava um abajur lilás e um móvel, onde guardavam-se pratos e talheres mais finos.
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Ainda eram nove horas. Quase não havia clientes no Cacareco. Sentamo-nos em duas poltronas próximas e comecei a responder às perguntas de Tâmara sobre o Recife. Não queria saber do bauru do Drive-in do Derby, do “quem–me-quer” na frente do cinema São Luís, nem da praia de Boa Viagem. Ela queria informações sobre a noite recifense, sobre o movimento dos bares, das boates... Menti um bocado, pois, saindo da puberdade, conhecia muito pouco sobre aquilo. Entre uma mentira e outra, entre uma nova dose de rum e outra, ela ouvia os meus apelos pra subirmos a um dos quartos.
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De vez em quando, levantava-se e ia até a porta do cabaré observar a estrada que trazia os carros até ali. Enquanto ela olhava, tentando adivinhar se Esquerdinha fugiria da concentração pra vê-la naquela noite, ouvia meus pedidos, e respondia sempre negativamente a eles, chamando-me de “menino”. Eu, batendo com a palma da mão direita sobre a carteira que estava no bolso traseiro da calça, argumentava: “Se o problema for dinheiro, deixe comigo que aqui tem bastante!”.
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Então, impaciente, ela pediu-me pra não ir embora. Disse pra esperar um pouco mais. Eu esperei, enquanto tomava mais alguns tragos. Quando, puxando-me pelos braços, subíamos a escada, eu já estava meio anestesiado. Ela ia à frente, com aquela saia do tamanho de nada, deixando um rastro de perfume francês – que certamente ganhara de Esquerdinha. Eu ia atrás, sentindo-me o maior dos conquistadores, no compasso do bolero cantado a todo volume por Bienvenido Granda.
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O quarto, diferentemente do que imaginara, era bem confortável, apesar de muito simples, com uma grande cama impecavelmente forrada, uma cômoda com um espelho em forma de coração, e uma cadeira, sobre a qual estavam uma bacia com água limpa, um sabonete ainda na embalagem e uma toalha branca... muito branca. Em um dos cantos do quarto e ligada por um tapete à cama, ficava uma poltrona verde-musgo com desenhos dourados. Enquanto Tâmara sentava-se preguiçosamente, após retirar a minissaia, ia, vaidosamente, explicando que só o quarto dela tinha uma poltrona daquelas, e que fora presente de um fabricante de móveis do Recife, que a visitava uma vez por mês.

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Ela queria conversar. Eu não. Mas não pude deixar de perguntar a Tâmara sobre a tatuagem que aparecia na parte mais alta de sua coxa direita, logo abaixo da calcinha bege de elanca:

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- É o seu nome de guerra?

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Levantando-se, empurrou-me sobre a cama:

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- É... É o meu nome de guerra!

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Por conta dos meus excessos na bebida, ficamos no quarto por umas duas horas, pra desespero dela, que não fumava nem bebia durante o trabalho. Tomava chá como se fosse uísque, mas quem a estava acompanhando pagava sua bebida como se uísque fosse.

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Enfim, chegava a hora do tão prometido pagamento. Em uma das vezes que fora ao toalete, ainda lá embaixo, eu retirara o dinheiro da carteira e deixara apenas uma nota de um... Um, não sei o quê. Não sei a moeda daqueles dias, mas era apenas um...

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Deitados de bruços na cama, um diante do outro, com as cabeças quase a se tocarem, puxei a carteira que estava na calça jogada no chão do quarto próxima à cama, retirei essa “única” nota e entreguei-lhe. Ela olhou por alguns segundos e, com a maior calma, perguntou:

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- É só isso que eu mereço por tudo o que te ensinei?

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- Você merece todo o dinheiro do mundo! Mas eu só tenho esse agora.

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Ela pediu minha carteira, procurou mais dinheiro, revirou os bolsinhos pacientemente como se estivesse brincando de esconde-esconde, viu as fotos que trazia comigo, perguntou sobre elas e, em seguida, dobrou aquela nota de um em duas e começou a picá-la. Colocou todos os pedacinhos em uma das mãos e falou calmamente, com um leve ar de riso:

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- Se fosse um homem, eu jogaria na cara. Mas como é um menino, eu vou jogar no chão. – E atirou pro lado e pro alto, deixando a água da bacia agitada com os pedacinhos de dinheiro a flutuar. Tâmara não estava triste nem zangada. Parecia ter certeza de que um dia eu voltaria, e então aquela conta seria acertada. Retirou a chave da porta do quarto de dentro de uma das gavetas da cômoda onde a escondera, abriu a porta e esperou, sem dizer uma única palavra, que eu saísse, mantendo o mesmo ar de riso de antes.

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Acordei no dia seguinte, na casa do meu primo, na maior das ressacas: cachaça, queijo de coalho, Montilla, cigarros... Putz! Era muito pros meus dezesseis! E a ressaca moral?... Essa ainda estava se formando, lentamente, a cada lembrança que me chegava da noite anterior. Quando me veio a lembrança de Tâmara, senti logo raiva das mulheres que conhecera até então. Coitadas. Não mereciam esse sentimento, mas, puxa vida, como é que sendo profissionais não sabiam de nada daquilo que Tâmara me ensinara, e ainda mais dando a impressão de que não era aula nenhuma, era puro prazer?...

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Depois surgiu a lembrança do pagamento... Senti vergonha e, ao mesmo tempo, a certeza de que naquele dia de domingo, em ver de retornar ao Recife, iria outra vez ao Cacareco resolver aquela pendenga. O desejo de mostrar que já era homem, que suportava grande quantidade de cachaça, que já tinha experiências com garotas de cabaré, não permitindo que me passassem a perna – no sentido figurado – havia me levado a extrapolar meus limites.

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O perfume que Tâmara usara ainda saía da camisa pendurada no espelho da cama e misturava-se ao mesmo perfume impregnado no meu corpo, embaralhando meus sentimentos com as lembranças da sua incomparável beleza e radiante alegria, do seu sonho adolescente de conhecer o Recife, da exigência de conversar com o freguês como que pra transformá-lo primeiro num amigo, da permanência do seu leve sorriso, apesar de toda aquela presepada que eu aprontara.

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Sentia uma saudade produzida pela necessidade de vê-la urgentemente, pedir desculpas, pagá-la com dignidade, tentar resgatar a admiração que parecia ter sentido por mim até a hora do pagamento, o respeito que teve com a minha idade e a paciência com a minha arrogância juvenil. As lembranças mais fortes que guardava de Tâmara no meio daquela ressaca eram a expressão do seu rosto ao abrir a porta do quarto e me deixar sair, além de sua imagem seminua na poltrona do quarto, querendo conversar.

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Voltei com meu primo ao Cacareco naquela tarde de domingo. Fui o primeiro a entrar. Dirigi-me ao balcão onde estava a mesma senhora da noite anterior e que deveria ser a dona da boate. Enquanto aproximava-me e a observava atentamente procurando detectar algum sinal de animosidade, percebi a mesma expectativa da parte dela. Ao me ver perguntar por Tâmara, esboçou um leve sorriso antes de cochichar alguma coisa no ouvido de uma bichinha que fazia suas unhas e que, girando nas pontas dos pés, subiu correndo a escada que dava nos quartos.

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Meu primo entrou em seguida e acomodou-se numa das poltronas da salinha reservada. Enquanto a bichinha servia cerveja e colocava cinzeiro sobre a mesa de centro, algumas garotas foram chegando. Marina, a que gostava do meu primo, sentou-se logo no seu colo. Em seguida chegou Tâmara. Estava muito bonita, apesar da carinha de sono. Usava apenas uma curtíssima camisola de cetim vermelho e as mesmas sandálias da noite anterior. Acabara de acordar. Ao confirmar que todos olhavam pra ela, falou, apontando pra mim:

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- Esse aí, ontem, começou a me acariciar pelo dedo do pé! – Depois dessa vingancinha, ela sentou-se no braço da poltrona onde eu estava, deixando, de propósito, que o seu perfume me trouxesse as inesquecíveis lembranças do que acontecera no seu quarto na noite anterior.

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Enquanto os outros tomavam uns goles e se divertiam, Tâmara puxou-me pela mão como na noite anterior e levou-me escada acima. Era o final de mais uma tarde fria de julho em Caruaru. Deitou-se e pediu-me que a cobrisse. Em seguida, após um gracioso bocejo, passou a mão sobre o lençol da cama ao seu lado e disse:

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- Tire os sapatos... Deite aqui... – E adormeceu.

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Tâmara, sonhando com os seus amores.



Fiquei ao seu lado, meio intrigado, meio apaixonado, meio agradecido. No radinho de pilho perdurado no espelho da cama, o grito de “gol” a fez despertar e perguntar:
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- Foi de Esquerdinha? – E antes que eu respondesse, falou:
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– Quando acabar o jogo, vá embora! Ele vem direto pra cá.
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Fiquei acompanhando a sua lenta respiração e o movimento dos seus seios no mesmo compasso. Notei que a chave do quarto estava sobre a cômoda como um salvo-conduto, o sabonete ainda estava intacto na embalagem e os pedacinhos do dinheiro estavam agora todos no fundo da bacia. Só voltei a prestar atenção ao jogo quando este já havia terminado, e Esquerdinha estava sendo entrevistado por ter sido o autor do único gol da partida.
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Alguns minutos depois da entrevista, dei um beijo em sua face e deixei o melhor pagamento que a minha condição de estudante permitia. Saí de mansinho para não despertá-la, e antes de apagar a luz registrei a imagem daquela menina sonhadora.
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Retornei ao Recife, pra nunca mais esquecer a Rainha do Cacareco.
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“Dois anos depois, agora morando em Caruaru enquanto trabalhava em São Caetano no escritório da Compesa, reencontrei Tâmara que agora já fumava e bebia no trabalho.
Há dez anos atrás, fiquei sabendo com tristeza que morrera esfaqueada em um cabaré de quinta categoria em Campina Grande, na Paraíba.”
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Comentários

  1. Escrever não é para qualquer um, mas para pessoas, assim como você, grande Rodolfo, que têm um talento especial e ímpar para esse mister.
    Ler-te, dá-nos um prazer imenso. Os teus escritos fazem-nos interagir, adentrar pelas entrelinhas dos teus relatos, como se fôramos personagens das tuas narrativas.
    Especialmente, hoje, "Dia do Escritor", um brinde especial a ti e à forma diferente, original e única que utilizas na tua literatura, para expressares sutil e fielmente momentos da tua caminhada, com uma riqueza de detalhes surpreendente.
    Deixo-te, então, à guisa de comentário, estas considerações de uma leitora atenta, porquanto mais não sou.
    Parabéns, Rodolfo, pelo teu dia e continua a nos enriquecer e privilegiar com os teus escritos, meu coração amigo_ apreciador da tua arte, abraça-te agradecido.
    Um cheiro,
    Lou.

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  2. Nossa, companheiro, isso é o que eu chamo de um verdadeiro FLASH BACK. Porque mais descritivo e sensível que este eu nunca vi. Vc nos faz ver uma cena, como no cinema, quando lemos suas palavras. Eu adoro isso, adoro viajar quando leio. Isso é brilhante!!! Vc mistura sensualidade, amizade, medos, tudo numa coisa só. Quero ver isto num livro, e quero autógrafo. Bjsss

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  3. Anônimo11:01 AM

    Pense que criei esse Blog com um único objetivo, poder comentar os brilhantes textos de meus amigos, em especial de meu amigo Rodolfo Vasconcelos... O cidadão tem um dom especial em descrever suas histórias, todas verídicas, que o mesmo teve o prazer de viver, e hoje sinto que deve ter grande alegria em retratá-la para todos os seus amigos... Vou ver se tomo vergonha na cara e escrevo alguma coisa substancial aqui nesse meu espaço.
    POSTED BY IGUINHO AT 12:45 PM 0 COMMENTS

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