Aécio, o Primo, o Aeroporto e o Desembargador que Recebia Propina para Liberar Traficantes
Aécio e o primo Quedo.
Do Diário do Centro do Mundo
Em 2010, o jornalista Bruno Procópio, que
se define também poeta e cronista, publicou em seu blog Prosa com Cultura um
texto em que revela: a família Tolentino Neves, “famosa pelo legado político de
homens como ex-presidente da República Tancredo de Almeida Neves e o governador
mineiro Aécio Neves, também fez sua história no universo da cachaça.”
Bruno, o Dindi, jovem de pele morena,
barba rala, cavanhaque de poucos e longos fios, conta que seu Múcio Tolentino,
irmão de Risoleta Neves, mulher de Tancredo, começou a produzir em 1960 a cachaça Mathuzalem
960.
Durante 25 anos, os amigos se reuniam na fazenda
da família, no município de Cláudio, para tomar da pura. Segundo a crônica do
Dindi, Tancredo Neves era um dos mais assíduos na confraria.
Depois da morte de Tancredo, seu Múcio
parou de fabricar a “960”
e praticamente fechou o alambique.
Em 2002, um dos filhos de Múcio, homem
que herdou do tio o nome, Tancredo, decidiu retomar a produção da cachaça, mas
mudou o nome da bebida.
A cachaça passou a se chamar Mingote,
homenagem ao bisavô Domingos da Silva Guimarães, o seu Mingote, que em 1873
comprou terra na região, para produzir rapadura, açúcar mascavo e cachaça, e
dar início a uma prole numerosa, da qual descendem dona Risoleta, o neto dela,
Aécio Neves, seu Múcio e o filho dele Tancredo Tolentino, também conhecido como
Quedo.
A exemplo da “960” , a Mingote também fez
fama, principalmente depois que a revista Época publicou, em maio de 2007, “os
brasileiros famosos, bem-sucedidos em seus respectivos ramos profissionais, que
têm como atividade paralela a produção de cachaça”, e citava Aécio Neves.
Segundo a reportagem, o então governador
de Minas era o fabricante da Mingote, descrita como uma cachaça envelhecida
durante dois anos em tonel de Umburana, no município de Cláudio.
A julgar como verídica a informação de
Época, Aécio era sócio do primo Tancredo Tolentino, o Quedo.
Esse era um tempo em que Aécio era
apresentado como o autor do “choque de gestão”, e Tancredo Tolentino era um
comerciante de Cláudio.
Cinco anos depois, em 2012, o repórter
Valmir Salaro, do Fantástico, foi a Cláudio para fazer uma reportagem sobre um
esquema de venda de habeas corpus para libertar traficantes.
O repórter contou que, em julho de 2010,
numa cidade vizinha, Marilândia, a polícia apreendeu 60 quilos de pasta base de
cocaína, parte deles encontrada numa camionete.
A polícia prendeu o motorista Jesus
Jerônimo da Silva, e outro traficante, Brás Correia de Souza.
Eles permaneceram alguns meses presos no
município de Divinópolis, na mesma região, e foram libertados por decisão do
desembargador Hélcio Valentim de Andrade Filho.
Valmir Salaro foi até a cachaçaria
Mingote e gravou uma passagem em frente à sede da empresa, em que revelou que a
sentença para libertar os traficantes foi negociada ali dentro, entre o
desembargador Valentim e Tancredo Tolentino, o Quedo.
A reportagem do Fantásticotem mais de 11 minutos e,
em nenhum momento, o nome de Aécio Neves foi citado – nem para dizer que Tancredo
Tolentino é primo dele ou para lembrar que a Mingote apareceu na Época como a
cachaça fabricada pelo bem sucedido Aécio.
Não era difícil
fazer essa associação. Bastava entrar no site da Mingote e clicar em “notícias”. A página abre
com uma foto de Aécio e um link para a reportagem da revista Época, em que o
ex-governador é apresentado como o fabricante da cachaça.
Hélcio Valentim foi nomeado por Aécio
Neves quando governador.
Valentim se formou em direito no ano de
1988 pela Universidade Federal de Minas Gerais. Advogou até 1990, quando entrou
no Ministério Público. Em 1996, se tornou procurador e, em 2005, integrou a
lista tríplice de indicados para compor o Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
na cota do Ministério Público, o chamado quinto constitucional.
A prerrogativa de nomeação para o
Tribunal pertence ao governador e o costume é escolher o primeiro da lista.
Mas, nessa nomeação, em março de 2005, Aécio nomeou o segundo, Valentim.
Além
de nomear o desembargador que, mais tarde, negociaria com o primo a libertação
de traficantes, Aécio é autor de outra medida que beneficia Tancredo Tolentino.
A fazenda do pai dele tinha uma pista de
terra para pousos e decolagens de avião, obra que o avô de Aécio, Tancredo,
havia mandado fazer quando era governador – fazenda em que ele tomava cachaça,
como revelou o cronista e poeta Dindi.
Quando chegou sua vez de governar Minas,
Aécio mandou pavimentar a obra, ao custo de quase 14 milhões de reais. O outro
Tancredo da família, o primo de Aécio (e sócio na Mingote?), é quem toca as
coisas por lá, e tem as chaves do aeroporto, até hoje sem homologação da ANAC
e, portanto, proibido para o público em geral.
Essas conexões do município de Cláudio
acabaram despertando a desconfiança de que a pista pavimentada serviu para
pouso de reabastecimento do helicóptero do senador Zezé Perrella, quando trazia
445 quilos de pasta base de cocaína do Paraguai, em novembro do ano passado.
Afinal, Perrella é amigo de Aécio, e
Aécio é primo do Tancredo Tolentino, o homem que tem a chave do aeroporto e foi
flagrado negociando a libertação de traficantes, num caso em que a semelhança
com a apreensão de cocaína no Espírito Santo é espantosa.
Procurei os dois pilotos do helicóptero.
Um deles, que eu entrevistei há dois meses e meio, mandou dizer que não fala
mais comigo. O outro, o piloto Rogério Almeida Antunes, ex-funcionário de
Perrella, disse, por intermédio de seu advogado, que “não, não pousou lá”.
Passou perto, mas não parou na pista.
Essa história fica para daqui a pouco.
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