Mostra de Cinema de Gostoso. Camilo Cavalcante Continua Transformando Seus Sonhos em Realidades
Camilinho... O mesmo menino que vendia seu "Jornal de Cinema" no "El Bodegón" em 1993
As
poesias estão por aí, ocupando espaços que são visitados, tanto pelas flechas de cupido de J. G. de
Araújo Jorge quanto pelas envenenadas de Augusto dos Anjos. As poesias cinematográficas
de Camilinho (Camilo Cavalcante) circulam pelos espaços mais inquietantes, abordando
temas pesados e afiados. Mesmo quando tem como tema a Ave Maria de Schubert, um
dos pés está lá, atolado nas inquietudes sociais e humanas.
Conheci
Camilinho nos idos de 1993, quando ele mensalmente adentrava o meu “El Bodegón”
(primeiro barzinho típico cubano do Recife), com uma pilha de jornais sobre
cinema, editado, impresso e distribuído por ele próprio. E eu comprava todos da cota que ele separava para mim, e os distribuia com os clientes. Neles havia cinema, e no resultado das vendas o acalanto da possibilidade de transformar em realidade o sonho de Camilinho de um dia se
tornar cineasta.
Camilo
Cavalcante (Camilinho, para mim) hoje, pela força e contundência da sua obra, é um cineasta conhecido e premiado em
todo o Brasil e fora dele, embora continue o mesmo menino de 1993... Não porque não cresceu como pessoa, como sonhador, como cinesta... mas porque desde aqueles idos de 1993, Camilinho, embora de forma embrionária, já era tudo o que hoje é.
Rodolfo Vasconcellos
Rodolfo Vasconcellos
Voltemos à Mostra de Cinema de Gostoso:
Cena de "Hoje Eu Quero Voltar Sozinho", de Daniel Ribeiro
Hoje
Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel
Ribeiro, ganhou o principal prêmio da 2.ª Mostra de Cinema de Gostoso,
encerrada na quarta-feira à noite em animada celebração. Muito colado na
votação veio o documentário Dominguinhos, do trio Joaquim Castro,
Eduardo Nazarian e Mariana Aydar. A organização concedeu então uma menção
honrosa ao filme. Houve ainda empate entre os curtas-metragens Menino
do Dente de Ouro, de Rodrigo Sena, e Abraço da Maré, de Victor
Ciriaco, ambas produçōes do Rio Grande do Norte.
O
filme de Ribeiro prossegue, assim, a sua carreira vitoriosa iniciada na
Belinale em fevereiro, com temperaturas abaixo de zero, e encerra seu ciclo de
festivais nacionais do ano com calor acima de 35 graus e ótima acolhida da
plateia local. No festival alemão, o sensível e eficiente drama sobre a
descoberta da sexualidade entre dois garotos fez a tríplice vitória, com o
reconhecimento do júri principal, critica e público. Este, aliás, é quem
atribui os poucos prêmios do evento de São Miguel do Gostoso, e por isso mesmo
vale a pena salientar a empatia com uma plateia com mínima, para não dizer
nenhuma, familiaridade com o cinema exibido na tela grande. Em especial, com um
filme de temática gay. Foi surpreendente a lotação da sessão com todos os 600
lugares ocupados, além do entorno, ou seja, a areia, também bastante concorrido.
No
caso de Dominguinhos, é mais fácil compreender a ligação do
Nordeste com o músico pernambucano, a criação em um ambiente de roça miserável,
a perseverança pelo sonho e pela carreira, a temática de sua música. Mas fica a
lição de ambos os filmes de que o cinema pode alcançar qualquer plateia, da
metrópole ou fora do eixo mais rico do País. Reticência que ocorre a muitos
quando se fala sobretudo de cinema brasileiro. A seguir, comento outros
destaques que vi por aqui:
O
Último Cine Drive-In
Um
desentendimento tirou o filme de Iberê Carvalho do último Festival de Brasília.
Mas ali mesmo foi exibido um documentário sobre o tradicional drive-in que
funciona no autódromo da cidade. Esse cenário é onde se desenrola a trama agora
ficcional e talvez seu maior atrativo. O local está decadente mas o
proprietário (Othon Bastos) insiste em exibir filmes de arte para uma minguada
plateia, auxiliado por uma jovem projecionista e um empregado. Quando seu filho
há muito afastado vem pedir ajuda para a mãe internada no hospital, um acerto
de contas entre os dois se impõe. Um desejo da ex-mulher trará a chance da
reconciliação. O problema é que todo esse processo se torna um tanto óbvio e a
condução dos acontecimentos não faz muito esforço para nos surpreender. Há um
fundo assumido de melodrama que se apoia também na clara homenagem ao cinema.
Nesse ambiente, surgem cartazes de filmes referentes ao drama, caso de Invasões
Bárbaras, com seu tema da doença terminal e do pesadelo de um hospital.
Deserto
Azul
De
um projeto cinematográfico do artista plástico Eder Santos pode-se esperar
certamente uma influência forte da videoarte, sua linguagem preferencial. E o
recurso está presente no filme em um contexto adequado à trama futurista,
que empresta Brasília como cenário igualmente pertinente. O problema vem a ser
justamente essa trama. Um jovem reflete sobre sua vida desinteressante e sem
perspectivas enquanto cumpre um cotidiano igualmente vazio, apoiado por
gadgets, viagens com duração de breves minutos e festas. Falará com sua imagem
envelhecida para repassar a trajetória. É clara a crítica a um mundo
superficial, a uma juventude tomada por inércia e dependente do contato virtual
e outras questões longe de pertencer ao futuro. Mas, pelo modo como está
explorada, a importância da discussão de um vazio existencial se dilui e expõe
as pretensões frágeis do filme.
A
História da Eternidade
Já
havia visto o filme de Camilo Cavalcante no Festival de Paulínia, no qual
ganhou o principal prêmio. Havia outra atmosfera agora no telão da praia do
Maceió, onde é montada a estrutura ao ar livre, com aquele sertão árido em
contraste com o vento e a presença afinal do mar logo ali. Não sei se
influenciou o cenário, mas de alguma forma os dramas daquele vilarejo perdido
me pareceram mais agudos. O filme abre com um cortejo fúnebre e uma reza. À
frente vai um pequeno caixão, que se supõe logo ser de uma criança. Ela é da
personagem de Marcela Cartaxo, tomada por uma tristeza de querer esquecer do
mundo. Um sanfoneiro cego insistirá para trazê-la de volta à vida.
Na
vizinhança, uma senhora de ares matriarcal (Zezita Matos) dá apoio a mãe
sofredora enquanto recebe a notícia da visita do neto (Maxwel Nascimento) vindo
do sul do País. Por fim, Irandhir Santos, como um artista libertário e
epilético, e Claudio Jaborandy, seu irmão rude e violento que o menospreza,
entrarão em confronto, mediado pela filha adolescente do segundo que sonha em
ver o mar. É uma cena magistral de Irandhir ao som de Fala, cantada
por Ney Matogrosso, que desviará o tom até então poético e contido do filme
para um caminho duro na construção desses conflitos, numa tragédia anunciada.
Capricho na trilha do polonês Zbigbniew Preisner, dos filmes de
Kieslowski, e um belo trabalho entre contenção e explosão. Para se voltar ainda
algumas vezes.
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