Em xeque, a Rússia tentará o contra-ataque?
Com
o rublo sob intensa pressão, Putin convoca entrevista coletiva sugerindo um
mundo em chamas. Que
ele anunciará, amanhã: uma ação contra o dólar?
Por Antonio
Martins, por e-mail
Se
você enxerga turbulências no cenário brasileiro, em 2015, prepare-se para
possíveis terremotos, no plano mundial. A crise econômica persiste e tende a se
agravar, segundo reconhece a própria The Economist, porta-voz
da ortodoxia dominante. Em diversos países da Europa (França, Inglaterra,
Itália, Espanha e Grécia, ao menos), o quadro político-partidário tradicional
está em frangalhos. Os
partidos antes dominantes são ameaçados por grupos que pedem abertamente
ruptura com a União Europeia (nos três primeiros casos — 1 2 3) ou por partidos de uma nova esquerda, que parece cada
vez mais capaz de sensibilizar a opinião pública (4 5).
No
terreno geopolítico, onde um gigante (a China) ainda age com muita discrição,
os dois principais atores serão, provavelmente, os Estados Unidos, cada vez maisprovocativos, e a Rússia. Ambos estão protagonizando agora
uma espécie de avant-première desta disputa. E o governo russo
acaba de anunciar para amanhã (18/12) uma entrevista coletiva
do presidente do pais, Vladimir Putin, que pode ser bombástica.
Ao que parece, a Rússia está, economicamente, nas cordas.
O rublo perdeu cerca de 50% de seu valor frente ao
dólar, desde junho. O aumento dos preços de produtos importados elevou a
inflação a 9,1% ao ano. A causa nítida é uma quedaabrupta e
estranha nos preços internacionais do petróleo — de cerca de US$ 100 o barril,
há um mês, para US$ 60 hoje. Como gás e óleo respondem por cerca de 75% das
exportações russas, teme-se que o país perca condições de gerar divisas
necessárias para cumprimento de seus compromissos comerciais e financeiros com
o exterior.
O petróleo caiu devido a uma decisão unilateral da Arábia
Saudita — maior exportador mundial do combustível e principal aliado dos EUA no
Oriente Médio, ao lado de Israel. Há cerca de dois meses, o governo de Riad
agiu em sentido diametralmente oposto ao que recomendaria a lógica comercial
mais óbvia. Numa conjuntura em que a economia global e o consumo de petróleo
refluem, ele decidiu elevar fortemente a extração do produto, derrubando os
preços.
As razões são controversas. A
explicação mais tradicional sugere que se trata de uma tentativa de
inviabilizar (por concorrência) a exploração de petróleo em rochas de xisto,
que cresceu muito nos Estados Unidos, mas é custosa — além de ambientalmente
devastadora. Cada vez parece mais crível, no entanto, que a derrubada dos
preços foi ditada por interesses geopolíticos.
Os três países mais prejudicados pelo petróleo baixo são Irã (o grande
adversário regional da Arábia Saudita no Oriente Médio), Rússia e Venezuela
(que Washington busca insistentemente colocar em dificuldades).
Se Moscou seguir a ortodoxia econômica, sua resposta pode
provocar graves problemas internos na Rússia. Implicaria elevar as taxas de
juros (houve uma alta emergencial para 17% ao ano, ontem), gastar boa parte das
reservas internacionais de divisas (para comprar rublos e tentar sustentar seu
preço), tornar o país vulnerável a outros ataques.
Mas o anúncio da entrevista coletiva de Putin, que está sendo
veiculado insistentemente na TV russa desde a manhã de hoje, sugere que pode
haver surpresas. Totalmente inusual para anunciar um evento semelhante, peça,
de 41 segundos, alterna cenas de grandes dramas que marcaram 2014 (ascensão dos
grupos nazistas na Ucrânia, derretimento das geleiras, decapitação de reféns pelo
ISIS, desperdício de alimentos, crises nos mercados financeiros) com outras,
que evocam o orgulho russo (sucesso aeroespacial e olímpico).
Que novidades Putin teria condições
de anunciar? O Financial Times especula hoje que, ao invés de elevar juros,
Moscou poderia controlar a entrada e saída de moedas estrangeiras na Rússia. A
medida seria vista como anátema pelos mercados financeiros e poderia causar (a
depender da dureza das medidas) certas dificuldades para investidores
internacionais. Porém, poderia haver um lance mais ousado. O governo russo tem
sido, no interior dos BRICS, o mais enfático defensor de um desafio à supremacia global do dólar. Tem
sugerido explicitamente que o bloco faça suas trocas comerciais utilizando o renminbi chinês.
Putin não poderá, é claro, comunicar unilateralmente uma decisão
deste peso na entrevista coletiva de amanhã. Mas seria imprudente desprezar sua
determinação em agir neste sentido, nos próximos meses. Em especial, num
cenário em que a economia norte-americana perde rapidamente sua antiga
supremacia; em que as políticas de Washington são cada vez mais contestadas em
todo o mundo; e em que a aceitação internacional do dólar se mantém como uma
pilastra essencial do poder que ainda resta aos EUA. Se for assim, a tentativa
de derrubar artificialmente os preços do petróleo pode se revelar, a médio
prazo, mais uma, na longa sequência de decisões desastradas da Casa Branca.
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