O STF vai lavar as mãos diante do golpe de Cunha contra o povo e a Constituição? Ministros, coragem!
por Kenarik Boujikian,
especial para o Viomundo
Em 2003, na primeira edição do Brasil de
Fato, Celso Furtado disse: “Lula deve ter coragem se quiser
conter a desagregação que ameaça o Brasil”.
Hoje,
na minha maior e pura imaginação e com devoção e respeito ao professor,
diria que esta seria a mesma observação que ele faria aos ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF).
Em
períodos de esgarçamento da democracia, o Poder Judiciário é
colocado em xeque face ao seu papel de guardião da democracia. No
período da ditadura de 1964, até certo momento, o STF foi um alento diante das
violações, mas com o AI-5, foi castrado na sua atribuição de órgão que
compõe o sistema dos três poderes, independentes e harmônicos. Ministros
fizeram suas escolhas e por esta razão alguns foram cassados ou se afastaram.
São ícones da nossa história, como o Ministro Evandro Lins e Silva.
Hoje,
como nunca, é necessário que o STF seja a expressão maior de um poder da
República, um órgão da soberania nacional, entendido na perspectiva da
subordinação ao povo, nos termos do ordenamento jurídico democraticamente
construído.
A
“polis” determinou na Constituição Federal qual é a
sociedade que almeja, sob quais princípios, fundamentos e patamares éticos.
Nenhum juiz ou legislador pode substituir essas diretrizes
pelas suas.
Mas,
no período de um mês, tivemos dois episódios, da maior
gravidade, que demonstram que os legisladores, querem tratorar a
Constituição e substituir o povo, que deveriam representar.
Refiro-me
às PECs da menoridade e do financiamento empresarial de campanha eleitoral, que
instauraram um período sombrio no Poder Legislativo. Vários juristas já
anteviam o agravamento desta situação ao subscreverem o Manifesto em Defesa da
Constituição e do Parlamento, registrando a importância de manutenção de um
Legislativo íntegro.
Nestas
dois casos, o que tivemos foi um golpe do legislativo contra o povo, dos
mais abjetos, na medida que rompeu com a regra da Constituição, que só pode ser
mudada dentro do estabelecido pelo sistema democrático.
A
Constituição não permite a reapreciação de um projeto de lei em determinado
lapso temporal , e assim o fez para a necessária estabilidade legislativa,
fundamental para a existência da democracia. O Poder Legislativo é um dos
tripés do Estado Democrático de Direito, que só poderá existir se mantida
a dignidade do processo legislativo.
Pois
bem, o que foi feito pelo presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha, e muitos outros violadores do processo legislativo
que o seguiram, diante de um resultado que não os agradava?
Maquiaram uma proposta, dando o nome de “aglutinativa”, usando a
proposta rejeitada, suprimindo parte dela, para colocar novamente em votação, o
que é absolutamente vedado.
Admitir
que projetos rejeitados fossem recortados e novas emendas apresentadas,
infinitamente, até que se chegasse ao resultado pretendido — sabe-se
lá Deus com que tipo de persuasão! — não é o que determina e almeja
a Constituição.
Cabe
agora ao Supremo Tribunal Federal colocar as coisas nos trilhos, nos processos
que lhe são apresentados. Medidas devem ser tomadas rapidamente, pois o
povo e a democracia não pode ficar à mercê do tempo ou mesmo da vontade
particular dos ministros.
O
Supremo Tribunal Federal tem processos em suas mãos e todos cidadãos
esperam uma resposta, com a urgência e magnitude de tudo o que está envolvido.
Em
relação ao financiamento de campanha, passou da hora do STF decidir a ADI
proposta pela OAB, que discute o financiamento empresarial
(Ministro Gilmar Mendes disse que devolveria em junho, mas não devolveu; e no
mês de julho o STF não julga ADI em razão do recesso). Se o julgamento tivesse
sido realizado, o Legislativo já saberia o patamar definitivo sobre
o tema.
A
urgência é aflitiva, pois em breve teremos eleição em todas as cidades e o
Supremo precisa dizer que empresas não podem financiar campanha eleitoral, como
já afirmou a maioria dos ministros. Se o STF não julgar, coonestará com o
que ocorre em relação ao sistema eleitoral, admitindo que milhões e
milhões e milhões de reais sejam despejados pelas empresas nas mãos dos
nossos futuros políticos.
Também
necessário que a ação (mandado de segurança) referente à violação do
procedimento legislativo seja julgado o mais rápido possível, para que diga,
como órgão jurisdicional que detém a última palavra, se valeu ou
não a segunda votação que foi feita.
No
que diz respeito à PEC da menoridade, imprescindível que seja proposta ação
perante o STF .
O
Supremo Tribunal Federal é o responsável para que a Constituição Federal
não se torne letra morta. A ele cabe a manutenção da higidez
constitucional, a afirmação do Estado Democrático de Direito, o que
não se concretizará pela omissão, segurando processos.
Muitas
outras ações no STF estão paradas há muitos anos. Entre elas, a da
demarcação de terras indígenas, cuja omissão traz um flagelo inominável
aos povos indígenas, e a que pede a realização de auditoria da dívida
pública brasileira (como determinado na Constituição).
O
Supremo Tribunal Federal é o responsável para que a Constituição Federal
não se torne letra morta. A ele cabe a manutenção da higidez
constitucional, a afirmação do Estado Democrático de Direito, o que
não se concretizará pela omissão, segurando processos.
Muitas
outras ações no STF estão paradas há muitos anos. Entre elas, a da
demarcação de terras indígenas, cuja omissão traz um flagelo inominável
aos povos indígenas, e a que pede a realização de auditoria da dívida
pública brasileira (como determinado na Constituição).
Diante
desse quadro, preocupadíssima, pergunto: O STF vai lavar as mãos diante do
golpe de Eduardo Cunha e muitos outros violadores contra o povo e a
Constituição
Na
democracia não dá para lavar as mãos. É preciso ter coragem.
Engana-se
Eduardo Cunha se pensa que é dono do brinquedo, da bola. Ele não é dono do
poder, o poder pertence ao povo.
Kenarik
Boujikian, magistrada no Tribunal de Justiça de São Paulo e cofundadora
da Associação Juízes para a Democracia
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