HUMANIZAÇÃO DAS PRISÕES - SUPREMA DECISÃO
Como acordar sem estar sendo enrabado!...
O Supremo
Tribunal Federal, por unanimidade de votos, acaba de proferir decisão histórica
capaz de resolver a caótica situação das prisões brasileiras. Verificam-se ali
contínuas violações a direitos e garantias constitucionais
fundamentais da pessoa humana, objeto de repulsas de
associações humanitárias e de condenação internacional do País por desrespeitar
as regras da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e do Sistema
Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. A decisão tão importante não
repercutiu como deveria na mídia. Talvez a crise explique.
Além
do comando imperativo de procedência do recurso extraordinário modificador da
decisão escapista do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (entendeu o TJRG
ser matéria da atribuição exclusiva do Executivo gaúcho), o STF cuidou, em
razão do reconhecimento da “repercussão geral” a definições consideradas
relevantes à sociedade e à nação), de afastar futuras arguições defensivas. A
parte vencida poderia agir por meio do instrumento jurídico conhecido por
Reserva do Possível, válvula de escape para o descumprimento de decisão com
trânsito em julgado, onde até a falta de recursos é invocada.
Sobre a desumanidade das nossas prisões, vale recordar a confissão do
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de preferir se matar a cumprir pena
de prisão fechada. Nem por isso o ministério entregue ao autor da confissão
tomou providências a respeito. Vale lembrar, aliás, que Henrique Pizzolato, no
processo de extradição em curso na Itália, se viu vitorioso em primeiro grau ao
ver reconhecido pelo tribunal o risco a correr como preso no Brasil.
Em voto erudito, o ministro Ricardo Lewandowski tratou de deixar patenteado
não representar violação ao princípio constitucional da “separação de poderes”
toda decisão judiciária atinente a direitos e garantias fundamentais. No caso
ocorreram induvidosas violações às garantias de “ninguém ser submetido a
tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art. 5, III) e de ser
“assegurado ao preso o respeito à integridade física e moral” (art. 5, XLIX).
Fora, evidentemente, o descumprimento à
Lei de Execução Penal (LEP), de 1984, a obrigar a se manter o condenado em ambiente salubre e
“condicionamento térmico adequado à existência humana”, com espaço mínimo e
celas individuais (art. 88 da LEP). Para se ter uma ideia, o sistema
penitenciário brasileiro possui, segundo frisaram ministros do STF, perto de
360 mil vagas e abriga população superior a 600 mil custodiados.
Como
sabem até os reprovados no exame de capacitação da OAB, a atividade
administrativa-expiatória, necessária ao cumprimento de pena ou de efetivação
de medida preventiva detentiva imposta pelo Judiciário, é da atribuição do
Executivo: estadual quanto às decisões da Justiça da unidade federativa ou, na
hipótese de casos da Justiça Federal, do Executivo da União. Dadas as
emergências, criou-se, por lei, um Fundo Penitenciário Nacional: quando do
julgamento pelo STF, o Fundo mantinha contingenciado 1,3 bilhão de reais, ou
seja, dinheiro suficiente para começar a consertar o vergonhoso sistema
penitenciário nacional.
Na sessão de julgamento, o
ministro Celso de Mello, sobre a legitimação judiciária e em face do princípio
da separação dos poderes invocado pelo Tribunal gaúcho para acolher apelação em
ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul,
lembrou de prever a LEP os incidentes de “excesso ou desvio de execução”. O
excesso e o desvio ocorrem sempre que algum ato for praticado além dos limites
fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares. Numa síntese, e sempre
segundo o ministro Celso de Mello, ao se “impor pena mais gravosa àquela da
condenação”.
Nos nossos presídios, o preso recebe
uma “pena extra”, imposta pela administração penitenciária, qual seja,
superlotação, risco de eletrocussão, submissão às organizações criminosas
controladoras do interior dos presídios, banheiros entupidos, esgoto a céu
aberto etc. Por evidente, e como destacou Lewandowski, o Judiciário, sem
violação à regra constitucional republicana da separação dos poderes, pode
intervir para impor o cumprimento, ao Executivo, de obrigação de fazer, no
caso, obras emergenciais.
Do trágico cenário não fica imune o
Judiciário. A ação sobre a precária situação do presídio de Uruguaiana foi
proposta em 2006 e restou definida pelo STF em 13 agosto de 2015. Nove anos
depois.
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