O QUARTO PODER - UMA OUTRA HISTÓRIA - Livro de Paulo Henrique Amorim
Por telefone, Roberto Marinho demitiu Paulo Henrique Amorim por ter denunciado uma mazela do IBC que o envolvia
Paulo Henrique
Amorim, jornalista de longo curso aos 73 anos, provou seu farto talento no
vídeo e no papel impresso. Primeiro correspondente de Veja em Nova York em 1968, editor de
Economia da semanal anos depois, diretor de redação na Examequando ainda na Editora
Abril, enfim diretor do Jornal
do Brasil em tempos de vento
favorável a bafejar a baronesa e seu genro Nascimento Brito. No vídeo, como
diretor do escritório nova-iorquino da Globo, passou também pela
Bandeirantes e agora surge na Record, enquanto produz o blog Conversa Afiada,
de grande êxito. No momento, cuida do lançamento do seu último livro, O Quarto Poder – Uma outra história.
E é desta história que se fala na entrevista a seguir.
CartaCapital: Do alto da sua larga experiência, selecione as cinco figuras
mais daninhas para o País, as mais negativas na história que você viveu, à
parte ditadores, torturadores, políticos coniventes etc.
Paulo Henrique Amorim: A
mais daninha, levando em consideração também a minha experiência pessoal, é Daniel Dantas. Porque ele
conseguiu disseminar o câncer, ele contaminou o tecido de todo o sistema
brasileiro, Judiciário, Legislativo e Executivo. Levando também uma boa parte
dessa doença, dessa malignidade, ao jornalismo. Outro que eu elegeria éFernando Henrique Cardoso,
porque ele é um caso exemplar de hipocrisia, de tartufismo.
Ele tem o desplante de se transformar
em um Catão, a despeito de sua biografia totalmente maculada. Ele saiu da
Presidência da República sendo professor aposentado e funcionário público, dono
de uma fazenda em Minas Gerais, e tem um imóvel em Higienópolis incompatível
com a renda dele. Essa história de que se tornou um palestrante para cobrar 50
mil dólares por conferência, fora o jatinho da secretaria, do segurança, isso
tudo pode ser uma boa maneira de lavar dinheiro.
Outra figura que considero nefanda é
José Serra. Ele tem mais de 50 anos de vida pública e nunca teve uma ideia
original. Não é engenheiro, não é economista, não é nada, é produto única e
exclusivamente da poderosa blindagem que a mídia em São Paulo garantiu aos
tucanos. Serra fugiu enquanto muitos outros ficaram por aqui para resistir e
alguns foram para a luta armada. Do Chile, onde se asilou na Embaixada da
Itália, casou-se com uma Allende, e acabou, por mecanismos que a gente não sabe
até hoje, por parar na Universidade Cornell nos Estados Unidos.
CC: Serra teve alguma relação com Daniel Dantas?
PHA: Teve
no processo da Privataria Tucana. A irmã de Daniel Dantas é, ou foi, sócia da
filha de Serra em Miami, em uma empresa de lobby. Serra está envolvido em todas
as atividades suspeitas realizadas pelo tucanato. Segundo depoimento do próprio
FHC, foi quem levou o governo tucano a vender a Vale por um valor inferior ao
que a empresa tinha em caixa. Agora reeleito senador, a primeira coisa que ele
faz é propor a entrega da Petrobras.
CC: Vamos
à quarta figura.
PHA: Roberto
Marinho. Orgulho-me ao dizer que este é o primeiro livro capaz de tratar
Roberto Marinho como ele há de ser tratado. Até agora, só houve livros que
foram bajulação rasteira. Meu livro conta que a certa altura da minha carreira
na Globo eu denunciei uma roubalheira perpetrada no Instituto Brasileiro do
Café (IBC), reduto, aliás, de bandalheiras variadas. E denunciei uma delas,
chamada Operação Patricia. Foi uma operação em que o IBC bancava uma cotação do
café, e, se essa cotação caísse, os operadores de café não pagavam nada, era o
IBC que pagava para eles. Uma safadeza descomunal.
Fiz a denúncia na minha coluna no Jornal
da Globo. Uma vez eu disse a Roberto Marinho
que tinha uma coluna no Jornal da Globo e
ele retrucou: “A coluna não é sua, é do Globo”. Aquela foi apresentada por um repórter que fez a passagem
de bloco da seguinte forma: “Paulo Henrique Amorim denuncia um roubo no
IBC”. Eu havia escrito rombo. Roberto Marinho mandou me chamar e pelo
telefone me demitiu, porque eu não estava “adaptado ao jornalismo da Globo”.
Depois eu soube que ele e um dos seus principais mentores, o Jorge Serpa,
tinham interesse no IBC. Mais tarde, averiguei que Roberto Marinho recorrera ao
SNI para saber quem tinha sido a minha fonte.
CC: E
como se deu o desastre da TV Montecarlo?
PHA: Outra
história do livro. Passo por uma entrevista que fiz com Bettino Craxi,líder do socialismo italiano, que mais tarde seria abatido pela
Operação Mãos Limpas. Craxi havia arrumado uma sinecura, passara a formulador
da política da ONU para os países endividados, e eu estava fazendo um
documentário sobre a dívida externa dos países emergentes. E lá fui, e o
Bettino Craxi: “Ahhhh! Você trabalha na Globo! Ahhhh, aqueles meninos queriam
enganar o Berlusconi, ma che ingenuità”. Acredita-se que Marinho perdeu ali 100
milhões de dólares...
CC: Falou-se,
então, em 120 milhões...
PHA: É,
por aí. Alguns dos principais assessores do ministro Dilson Funaro, tempo de
Sarney, me contaram que o Roberto Marinho conseguiu do Banco do Brasil um
empréstimo vultoso para cobrir a dívida contraída na aventura da Tele
Montecarlo, de sorte a descontar os recursos correspondentes pelo dólar
paralelo. A Tele Montecarlo saiu de graça para ele, por obra de governo Sarney.
CC: Mas
o BNDES já fez coisas parecidas no tempo de FHC...
PHA: Vamos
ver o quinto. Um dos maiores cretinos com quem tropecei ao longo da minha
breve carreira é um senhor chamado Roberto Civita. O livro documenta o papel de
Roberto Civita na construção de um grande império que militou e milita até hoje
contra o Brasil. Não é à toa que Brizola dizia: “Quantos passaportes tem o
senhor Civita...” Ciro Gomes me contou, recentemente, que, depois de deixar o
governo do Ceará, foi para Harvard por um ano sabático, na companhia do
professor Mangabeira Unger.
Aí ele foi se candidatar à Presidência
da República, estava muito bem nas pesquisas, até que o Serra o detonou.
Enquanto ainda estava bem, Roberto Civita o chamou para jantar na casa dele.
Logo a luz foi reduzida, Ciro conta que lhe pareceu ter aportado a uma boate,
era para ter um clima mais íntimo. E Civita perguntou: “Você estudou em
Harvard, não é isso?” Ciro respondeu que sim. “Então podemos falar em inglês?”,
disse o anfitrião.
CC: Fale
de Carlos Lacerda, com quem você conviveu em alguns momentos da sua vida.
PHA: Abri
o escritório da Veja em Nova York, em 1968, coincidiu com a eleição à sucessão do
Lyndon Johnson. Foi uma luta feroz entre Richard Nixon, que já tinha perdido
para John Kennedy, e Hubert Humphrey, líder trabalhista democrata
vice-presidente de Johnson, candidato de muito boas qualidades. E aí a revista Realidade contratou
Carlos Lacerda para cobrir a eleição como enviado especial. Então, convivemos
durante um mês. Àquela altura, a Abril estava nadando em dinheiro e eu pude me
deslocar pelos Estados Unidos com Lacerda, e com Alfredo Machado, fundador da
Editora Record, amicíssimo do ex-governador.
Conversamos muito, íamos a livrarias
juntos, ele dizia que a melhor coisa do mundo era comprar livros, e me contou
várias histórias. E aí no fim da campanha, mais ou menos quando já se sabia que
Nixon ia ganhar, o quartel-general do republicano era no Waldorf-Astoria, onde
outros momentos históricos se deram, como quando Fernando Henrique ganhou o
prêmio de personalidade do ano, escolhido por brasileiros que ganham dinheiro a
rodo em Nova York e uma vez por ano elegem o homem do ano. E aí os brasileiros
vão para lá de smoking, todos eles falando português. Surge então um pequeno
problema. Eles alugam o smoking, mas pensam que não é preciso alugar os
sapatos. E aí o calçado destoa miseravelmente e denuncia o smoking alugado.
CC: Como
foi a cerimônia do anúncio da vitória de Nixon?
PHA: Bem,
fomos para uma grande sala do Waldorf, a Ballroom. De repente chega o assessor
de imprensa de Nixon, um jovem chamado Ron Ziegler, e diz: “Mister Lacerda, o
presidente quer vê-lo”. E aí leva Lacerda lá para cima, para que assista ao
anúncio da vitória na suíte presidencial.
CC: E
que tal o repórter Carlos Lacerda?
PHA: Incansável.
Ótimo faro, ele tinha um fôlego igual ao meu, e àquela altura eu tinha 25 anos.
CC: Paulo
Henrique, o que os aspirantes a Carlos Lacerda no Brasil atual não entenderam de Carlos Lacerda? O que falta para eles?
PHA: Ele
era muito sofisticado, leu muito, falava um inglês americano muito bom mesmo.
Não sei como, pois nunca morou nos Estados Unidos, era um dom que ele tinha.
Nasceu comunista, depois se tornou um líder de direita, um golpista, mas àquela
altura ele estava na Frente Ampla, com Jango e Juscelino.
CC: Foi
por isso que o Estadão acabou censurado, seguiu o Lacerda até o fim.
PHA: Eu
evoco no livro um jantar com Lacerda no restaurante de um hotel suíço. No meio
da conversa, eu disse que Jango mancava por causa de um tiro. Aí Lacerda falou:
“Não, aquilo ali foi uma gonorreia mal curada”. Aí eu disse: “Mas como,
governador?” E ele: “Eu sei, hoje sou amigo do homem”. E aí, emocionado, disse
ter passado a admirar Jango, que o recebera em sua casa de Montevidéu, depois
de tudo o que ele, Lacerda, fizera para desmoralizá-lo.
Toda essa cortesia exigia um caráter
excepcional. Lacerda contou que, durante a visita, Jango chamou os filhos, João
Vicente e Denise, para cumprimentar “o governador”. Lacerda já tinha
cumprimentado dona Maria Teresa. Aí Jango disse aos filhos para ir lá dentro
buscar os cadernos para mostrá-los a Lacerda, e disse: “Veja, governador, meus
filhos estão aprendendo a ler em espanhol”. Bom, não é? Muito bom.
CC: Voltemos
a Daniel Dantas. Por que continua impune?
PHA: Ele
foi capaz de corromper todos os partidos. Acho que Dantas é a prova provada de
que a democracia no Brasil é de fachada. Mas ainda ouviremos falar dele.
CC: Por
quê?
PHA: Porque
ele participou da Privataria Tucana, está comprovado. O livro de Rubens Valente
demonstra de forma insofismável que ele tem uma participação decisiva nas
decisões do ministro Gilmar Mendes, e que ele chantageou Fernando Henrique
Cardoso, quando presidente. Ele manobrou Serra, como esclarece Valente. E
chegou ao PT.
No livro de Rubens Valente surge também
João Vaccari, na compra da Brasil Telecom pela Oi, e isso vai explodir. Porque
a BrOi vai quebrar, e vai ter uma intervenção e o podre vai aparecer. E foi o
PT que mudou a lei para a Brasil Telecom poder ser comprada pela Oi. Esses são
os documentos da história. Lula mudou a composição da Anatel, Sarney indicou
uma pessoa de sua confiança para a diretoria, e com isso mudou a jurisprudência
da Anatel que permitiu a BrOi.
CC: E
na verdade já era para DD ter aparecido no chamado “mensalão”.
PHA: Pois
apareceu. Mas o ministro Barbosa sumiu com Dantas! Ele está no “mensalão”
tucano, ele está no “mensalão” do PT, ele está em todos os mensalões, e
continua operando.
CC: E
o disco rígido do Opportunity, apreendido pela PF por ocasião da Operação
Chacal?
PHA: Sim,
durante a Operação Chacal. E teve uma decisão histórica da ministra Ellen
Gracie, aquela de lábios delgados, que não deixou abrir o disco rígido, porque
Daniel Dantas não é Daniel Dantas, mas Daniel Dantas. Isso, mais do que tudo, é
um haicai, é um poema. E Gilmar Mendes entrou para a história da
magistratura universal porque ele deu em 48 horas dois HC cangurus para Dantas
depois da Operação Satiagraha.
O Dantas não é nada, é um
pseudobanqueiro, porque o Opportunity não e um banco, Opportunity é um nome
fantasia, começa por aí. Então, em 48 horas ele foi direto ao Supremo, passou
por todas as instâncias inferiores e conseguiu dois HC. Já o ministro Joaquim
Barbosa foi duríssimo com o biliardário Genoino, mas com o Dantas ele foi muito
gentil. O Dantas está em toda parte. Uma capa histórica de CartaCapital disse
tudo. E ele é ainda o dono do Brasil, mas isso estará em meu próximo livro.
Este que estou publicando termina no dia da segunda eleição de Lula, quando o
eleito me telefona para dar os parabéns por ter desvendado a maracutaia da
edição do Jornal Nacional,
foi uma vingança, disse ele, que depois João Santana me explicaria melhor.
Assunto: a democratização da mídia. Essa conversa com João Santana jamais
ocorreu.
CC: E
o próximo livro?
PHA: Estou
começando a escrever outro, chama-se Não
me Calaram. É a história das minhas batalhas
judiciais, porque fui processado tantas vezes, qual é a origem de cada um dos
processos.
CC: Ali
se falará também do colega Attuch?
PHA: Eu
acho que esse rapaz fugiu do Brasil, depois de aparecer na Lava Jato, em uma
situação muito complicada. Então talvez esteja velejando entre a Córsega e a
Sardenha, que é o roteiro agora da preferência do Fernando Henrique Cardoso.
CC: Com
o iate de quem?
PHA: Suspeito
que seja de um brasileiro chamado Jovelino. Ele tem um apartamento na Avenue
Foch, em Paris, que o Fernando Henrique usa com muita frequência. Jovelino
Mineiro, que foi quem ficou com a fazenda do Fernando Henrique em Minas Gerais.
CC: No
livro, você fala muito de outro colega, Paulo Francis.
PHA: Ele
foi meu colega na TV Globo, em Nova York. Naquela época colunista da Folha
de S.Paulo, cobria a negociação da dívida
externa. E a Folha dava seguidas manchetes graças a ele. Dizia Francis: “Eu
estive com um banqueiro, banqueiro!” O banqueiro com quem ele conversava, eu
revelo no livro, é outro colega, o Pimenta Neves, o que matou a namorada. O
Pimenta era um personagem subalterno do departamento de imprensa do Banco
Mundial, onde militava contra o Brasil. O banqueiro do Francis era o Pimenta.
Ou então o Régis, um produtor no escritório da Globo que entendia muito de
futebol americano.
Ele ia às coletivas dos comitês dos
bancos e ouvia aqueles negócios de subprime e CAP, aquela linguagem de
banqueiros, e de volta cuspia aquilo tudo de uma forma desorganizada. E o
Francis: “Estive hoje nos comitês dos bancos credores”. Mas falo de mais
colegas. No livro apresento o que chamo de lista de Schindler ao contrário. É o
seguinte: no dia 2 de abril de 1964, Roberto Marinho fez um editorial no Globo, dizendo: Ressurge a Democracia. Poucos dias depois, ele
publica a lista de Schindler ao contrário. É a relação dos intelectuais que
tinham acabado de assinar um manifesto a favor de Jango e Roberto Marinho pede
a ação da polícia para impedir a propagação das ideias daqueles homens. Ali
estavam Cacá Diegues, Arnaldo Jabor, Paulo Francis etc. etc. Iam ser cremados
na Auschwitz de Roberto Marinho.
CC: Alberto
Dines não figurava?
PHA: Alberto
Dines escreveu um livro memorável que ilustra a literatura política brasileira,
enaltecendo o golpe de 64: Os Idos de Março.
Título de uma originalidade acachapante.
CC: E
agora, como anda o Brasil?
PHA: O
Brasil vai viver mais três anos e meio deste
governo alquebrado, desfigurado, e a direita vai perder de novo em 2018. Ou é
Lula, ou quem ele apoiar. Lula é o árbitro.
CC: Dá
para extrair algumas lições importantes dessas marchas todas, sobretudo a do
dia 16?
PHA: Olha,
Mino, um político carioca, aliás, eu não concordo muito com as ideias dele, mas
que teve uma frase muito boa: “O PT tirou a direita do armário”. A direita
ficava escondida no armário, não se assumia, era feio dizer que se era de
direita, e agora é isso aí. Então, essa última marcha é igual a todas as
outras.
CC: Você
disse que teve muita dificuldade para publicar este livro, foi isso?
PHA: Eu
fiz uma primeira versão, ofereci a seis editores, que não gostaram da ideia,
porque provavelmente mexe com Roberto Marinho, e aqui no Brasil só há quatro ou
cinco cidadãos que peitam Roberto Marinho. Eu sou do tempo em que a gente
anotava à mão. Há anotações muito interessantes. Uma a respeito de Fernando
Henrique em visita oficial aos EUA. No último dia, no saguão principal da sala
de convenções do hotel em que se hospedava, ele deu uma entrevista coletiva.
Ao centro da mesa, à sua direita,
Antonio Carlos Magalhães, presidente das Comissões de Relações Exteriores do
Senado, à sua esquerda Franco Montoro, presidente da Comissão de Relações
Exteriores da Câmara. E aí Eliane Cantanhêde pediu que FHC comentasse a
declaração de seu ministro Sérgio Motta, divulgada naquele dia na imprensa
brasileira , sobre o Programa Comunidade Solidária, de dona Ruth Cardoso, a
primeira-dama.
Sérgio Motta havia dito: “Essa
masturbação sociológica me irrita”. Fernando Henrique rodou, rodou, rodou, não
disse nada, e a coletiva acabou. A caminho da saída, aproximei-me de ACM e
comentei: “Ele não defendeu a mulher”. Aí o ACM, em tom mais elevado para que
os jornalistas ouvissem: “Quem é do governo não pode criticar o governo”.
Puxou-me pelo braço e me levou em direção à limusine. Já na porta ele recua e
diz no meu ouvido: “Você sabe qual é a relação do Serjão com ele, não? É de
cafetão”.
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