Chuvas e Trovoadas no Caminho Geopolítico do Brasil
Para continuar avançando, rumo a
posição independente, Brasil precisará enfrentar grande ameaça: a guinada
conservadora dos EUA, cada vez mais agressivos, fundamentalistas e provocadores
Por José Luis Fiori – Por E-mail
“A subida da ladeira exige poder,
capacidade de inovação e grande mobilidade e inciativa política, a serviço de
uma estratégia de movimento e de enfrentamento global das transformações que
estão em curso no mundo, e cujo futuro está inteiramente aberto e indeterminado”
Para calcular o futuro imediato do
Brasil, dentro do sistema internacional, é bom partir de um dado de realidade:
o avanço da radicalização ultraconservadora da sociedade e do establishment norte-americano.
Um movimento profundo, quase telúrico, cada vez mais religioso, fanático e
agressivo, dentro da sociedade, mas com uma repercussão cada vez mais
messiânica e intervencionista, no campo da política exterior dos EUA. Como se
fosse um tisunami que avança em ondas sucessivas, cada vez
maiores, desde o início da década de 80, com a vitória do projeto de
“restauração conservadora” de Ronald Reagan (1982-89), e com sua cruzada
anticomunista contra o “império do mal”.
Em seguida, depois da queda do Muro de
Berlim e do fim da Guerra Fria, o governo republicano de George H.W. Bush
(1989-93) reformulou a estratégia conservadora, propondo o projeto do novo
“século americano”, junto com a defesa do bloqueio, ou destruição preventiva,
de novas potencias que ameaçassem o unilateralismo dos EUA. Durante a década de
90, o governo democrata de Bill Clinton (1993-2001) reformulou e empacotou esta
mesma estratégia com a ideologia da universalização da democracia, do mercado e
da ética “ocidental”. E foi em nome desta ideologia que Bill Clinton promoveu a
ocupação militar da Europa do Leste, pela OTAN, e mais 48 intervenções
militares ao redor do mundo1.
Mas não há dúvida que os atentados de
11/09 de 2001 provocaram um salto qualitativo nesta trajetória, durante o novo
governo republicano, de George W. Bush (2001-09). Hoje existem muitos
especialistas militares, dentro e fora dos EUA, que consideram que os atentados
de 2001 foram um típico inside job, concebido e pilotado pelo que
eles chamam de Deep State norte-americano2. Mas seja lá como tenha sido feito,
suas consequências foram definitivas, dentro e fora dos EUA: colocaram o núcleo
duro do ultraconservadorismo no comando da política externa norte-americana,
sob a liderança de Dick Cheney, Donald Rumsfeld e Paul Wolfowitz; e traçaram
uma nova fronteira entre o “mundo do bem” e o “eixo do mal”, iniciando 14 anos
de guerra contínua dentro do Grande Oriente Médio, com a demonização
progressiva do mundo islâmico, junto da opinião publica ocidental.
Mais recentemente, a volta dos
democratas ao governo, com Barack Obama, em 2009, não alterou o rumo das
coisas, porque seus projetos pessoais de um “multilateralismo atenuado”, com
aproximação da Rússia e a pacificação negociada da Palestina, foram atropelados
de dentro de sua própria administração democrata. Pelos mesmos setores que
promoveram a rebelião tutelada da Praça Maiden, e se utilizaram do “atentado
aéreo” da Ucrânia, para consolidar a fronteira geopolítica e militar que volta
a separar a Europa da Rússia Ortodoxa. Ao mesmo tempo em que transformavam o
sudeste asiático na região mais militarizada do mundo, à sombra da nova “fronteira
chinesa”, anunciada por Hillary Clinton, na condição de chefe do Departamento
de Estado do governo Obama.
Resumindo: nestes últimos 24 anos, o
projeto da “globalização americana” foi ficando cada vez mais conservador,
agressivo e intervencionista, e apesar disto, o “multilateralismo” se
robusteceu com a expansão econômica e militar de algumas velhas potências
regionais, como Alemanha e Rússia, e de algumas novas potências, ainda mais
complicadas, por serem também “polos civilizacionais” — como é o caso da China,
Índia e Irã — com seus próprios “sistema de verdade”, e sua visão ética
autônoma do individuo, da sociedade e do mundo.
Agora bem, por quê e quando o Brasil
entrou nesta história, e nesta “linha de tiro”? Do nosso ponto de vista, graças
a três decisões cruciais da sua politica externa:
- quando o Brasil decidiu ampliar e transformar
um projeto convencional de integração econômica (o Mercosul) num bloco
politico sob sua liderança, com o objetivo de impedir toda e qualquer
intervenção externa na América do Sul. Alcançando pleno sucesso, ao
bloquear a tentativa da OEA envolver-se na crise política da Venezuela, no
primeiro semestre de 2014;
- quando o Brasil decidiu se aliar à China,
Índia e Rússia, para transformar um mero “acrônimo mercantil” (BRICS), no
principal bloco de poder internacional que se opõe hoje ao projeto
unilateralista da “globalização americana”. Sobretudo, depois VI Cúpula
BRICS de Fortaleza, quando o Brasil promoveu o encontro e a convergência
de agendas, dos países da Unasul com os governantes da China, Rússia e
Índia;
- e, finalmente, quando o Brasil decidiu
abandonar sua tradicional “zona de conforto” diplomático no Oriente Médio,
separando-se e se opondo ao eixo estratégico EUA-Israel, ao condenar
veementemente a ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza, de
agosto/setembro de 2014.
Salvo engano,
foi esta mudança qualitativa da política externa brasileira que provocou a
intensificação e a radicalização dos ataques conservadores externos, e sua
tentativa de intervenção direta ou indireta nas últimas eleições presidenciais
do mês de outubro. Mas não há que enganar-se: a ofensiva não vai parar, e deve
aumentar ainda mais, depois que os ultraconservadores — democratas e
republicanos — se desfaçam de Barack Obama.
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