A quem interessa desmoralizar o SUS ?
Por Fernando Brito,
no blog Tijolaço:
Ontem, o advogado gaúcho Marcelo Santos, noFacebook, fez um
post emocionado sobre seu pai:
Esse remédio abaixo (Valcyte -cloridrato de
valganciclovir) é comercializado pela bagatela de R$ 12.000,00 (doze mil
reais), são 60 comprimidos, que custam R$ 200,00 cada um.
Meu pai precisou tomar esse medicamento porque adquiriu uma bactéria e teve que
tomar um comprimido por dia, por 14 dias. Hoje estamos devolvendo o medicamento
que poderá servir a outro paciente.
Sabem quanto ele gastou?
NADA.
Ele fez todo seu tratamento gratuito: 4 anos em hemodiálise (cerca de R$ 6 mil
reais por mês, que em 4 anos totaliza aproximadamente R$ 280.000,00 duzentos e
oitenta mil reais) , um transplante de rim onde teve q ficar uma semana na UTI
e 22 dias internado e agora revisões semanais em q ele faz exames toda semana
na parte da manhã e ficam prontos a tarde para consulta, repito, toda semana.
Ele não teve custo algum. Sabem porque?
Porque ele tem o melhor plano de Saúde do mundo, o SUS, o Sistema Único de
Saúde.
O SUS tem que melhorar, sim! mas o SUS salva muitas vidas.
Sobre o post, o comentário do professor Nilson Lage, precioso como sempre, dá o
testemunho, sem hipocrisias, de um professor de universidades públicas,
aposentado, que, aos 79 anos e do reconhecimento de milhares de seus ex-alunos,
não tem razão ou interesses em fazer propaganda ou falar aquilo que é o coro
geral. A propósito, Lage era estudante de medicina, quando abraçou, para não
largar nunca, o jornalismo, nos anos 50.
Recebo vacinas todo ano e tomo diariamente dois medicamentos fornecidos pelo
SUS. Já fui atendido quatro ou cinco vezes em unidades de pronto atendimento da
rede oficial – sempre de forma correta.
Tenho plano de saúde, mas pago consultas médicas, exceto nas especialidades em
que as clínicas faturam adicionalmente com exames (oftalmológicas, por
exemplo). A única vez que procurei atendimento de emergência pelo plano, o
nível técnico foi inferior ao aceitável – e bem abaixo do oferecido na UPA.
Sei
que a garantia de internação vale para doenças comuns, em prazo limitado; para
coisas mais sérias, remédios caros, cirurgias complexas, males duráveis, só
mesmo o SUS.
Mantenho o plano de saúde porque temo as limitações, flutuações e desvios da
política instável do Brasil – que prejudicam e protelam principalmente
atendimentos eletivos – e conheço os mecanismos de sabotagem desenvolvidos
pelos que enriquecem com a doença dos outros.
Creio
que os médicos deveriam lutar por salários decentes no setor público, em lugar
de se submeter à exploração nessas clínicas privadas ou tentar enriquecer à
custa da ética profissional e dos compromissos humanos de seu ofício. Renda
razoável, renúncia aos desvarios do consumo, emprego estável, oportunidade de
aprimoramento em uma carreira – sem os exageros da “carreira de estado” –
permitem vida decente e gratificante.
Eu
sei porque tive uma.
*****
Precisamos de um bom sistema de saúde pública. Ninguém nega as deficiências do
SUS e a tranquilidade de um seguro-saúde, quando se pode ter um.
Mas só o teremos quando valorizarmos o que temos de bom e ajudarmos a ser
melhor, entendendo que a desmoralização do sistema público de saúde rende, aos
planos privados, cerca de R$ 90 bilhões no Brasil, mais dinheiro do que o
próprio Estado, e este dinheiro, em boa parte, também sai dos cofres públicos,
via isenção de impostos)
Agora que descobri a diabetes, descobri também que diferença faz o
remédio ser grátis e darem-se, também (juro que não tinha a menor ideia disso)
os aparelhos, agulhas e fitas reagentes para medição caseira da glicose).
São coisas caras (especialmente as fitas, que custam de dois a três reais,
cada) que às vezes têm de ser usadas mais de uma vez por dia.
Mas, talvez, o medicamento que mais esteja em falta no Brasil seja a humanidade
e o amor ao ser humano.
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